20.10.2020:
“Salve-se a si
mesmo!” “Trata-se duma tentação crucial que ameaça a todos, mesmo a nós
cristãos: a tentação de pensar só em nos defendermos ou ao próprio grupo,
pensar apenas nos próprios problemas e interesses", disse o Papa em sua
homilia.
Mariangela Jaguraba - Vatican News
“Rezar juntos é uma dádiva.” Assim, o Papa Francisco iniciou a sua
homilia no encontro de Oração pela Paz no Espírito de Assis, na Basílica
de Santa Maria em Aracoeli, em Roma, na tarde desta terça-feira
(20/10), para recordar o encontro convocado por São João Paulo II,
em 1986, em Assis. A iniciativa foi promovida pela Comunidade de Santo
Egídio.
O Pontífice agradeceu, em particular, a presença do Patriarca
Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I, e do presidente do Conselho
da Igreja Evangélica na Alemanha, Heinrich Bedford-Strohm.
Tentação de pensar só em defender-mo-nos
Na sua homilia, o Papa recordou o trecho da Paixão do Senhor.
Enquanto Jesus vive o momento mais elevado da dor e do amor, muitos, sem
piedade, diziam-lhe: “Salve-se a si mesmo!” “Trata-se duma tentação
crucial que ameaça a todos, mesmo a nós cristãos: a tentação de
pensar só em defender-mo-nos ou ao próprio grupo, pensar apenas nos próprios
problemas e interesses, quando tudo o mais não importa. É um instinto
muito humano, mas mau, e constitui o último desafio a Deus crucificado”, frisou o Papa.
“Salve-se a si mesmo!” Os primeiros a dizê-lo são «os que passavam».
Eram pessoas comuns, que ouviram Jesus falar e fazer prodígios. Agora dizem-lhe: «Salve-te a ti mesmo, desce da cruz». “Não tinham
compaixão, mas desejo de milagres, de o ver descer da cruz”, disse
Francisco, acrescentando:
Talvez nós também preferimos às vezes um deus espetacular em vez
de compassivo, um deus poderoso aos olhos do mundo, que se impõe pela
força e dispersa quantos nos querem mal. Mas este não é Deus; é o nosso
eu. Quantas vezes queremos um deus à nossa medida, em vez de nos
configurarmos à medida de Deus; um deus como nós, em vez de nos
tornarmos como Ele! Mas, desta forma, preferimos o culto do eu à
adoração de Deus. É um culto que cresce e alimenta-se mediante a
indiferença para com o outro. De facto, àqueles que passavam, só lhes
interessava Jesus para satisfazer os seus desejos. Mas assim reduzido a
um desperdício na cruz, já não lhes interessava. Estava diante dos seus
olhos, mas longe do seu coração. A indiferença mantinha-os longe do
verdadeiro rosto de Deus.
Não descarregar o mal sobre os outros
Os segundos a dizerem “Salve-te a ti mesmo” são os príncipes dos
sacerdotes e os escribas. “Foram os mesmos que condenaram Jesus, porque
representava um perigo para eles.
“Mas todos somos especialistas em colocar os outros na cruz,
contanto que nos salvemos a nós mesmos. Pelo contrário, Jesus deixa-se
crucificar, para nos ensinar a não descarregar o mal sobre os outros.”
Aqueles líderes religiosos tomavam os outros como motivo para o
acusar: «Salvou os outros, mas não pode salvar-se a si mesmo!».
Conheciam Jesus, lembravam-se das curas e libertações por Ele realizadas
e fazem uma dedução maliciosa: insinuam que salvar, socorrer os outros
não traz bem algum; Ele que tanto se prodigalizou pelos outros, perde-se
a si mesmo! A acusação é feita em tom de escárnio e serve-se de termos
religiosos, usando duas vezes o verbo salvar. Mas o «evangelho» do
salve-se a si mesmo não é o Evangelho da salvação. Antes, é o evangelho
apócrifo mais falso, que coloca as cruzes nos ombros dos outros. O
Evangelho verdadeiro assume as cruzes dos outros.”
Pensar apenas no eu é o pai de todos os males
“Salve-se a si mesmo”. Até mesmo aqueles que foram crucificados com Jesus unem.se ao ambiente de desafio contra Ele.
“Como é fácil criticar, falar contra, ver o mal nos outros e não
em nós mesmos, chegando-se ao ponto de descarregar as culpas sobre os
mais fracos e marginalizados!”
"Mas, por que motivo aqueles crucificados atacam Jesus? Procuram Jesus somente para resolver os problemas deles”, disse o Papa.
Mas Deus vem não tanto para nos livrar dos problemas, que sempre
reaparecem, como sobretudo para nos salvar do verdadeiro problema: a
falta de amor. Esta é a causa profunda dos nossos males pessoais,
sociais, internacionais, ambientais. Pensar apenas no eu é o pai
de todos os males. Mas um dos malfeitores põe-se a observar Jesus,
admirando n’Ele, a amorosa mansidão. E obtém o Paraíso, ao fazer apenas
uma coisa: deslocar a atenção de si mesmo para Jesus, de si mesmo para
Quem estava ao seu lado.
Da cruz, brotou o perdão, renasceu a fraternidade
Segundo o Papa, “no Calvário aconteceu o grande duelo entre Deus que
veio salvar-nos e o homem que quer salvar-se a si mesmo, entre a fé em
Deus e o culto do eu, entre o homem que acusa e Deus que desculpa. E
chegou a vitória de Deus; a sua misericórdia desceu sobre o mundo. Da
cruz, brotou o perdão, renasceu a fraternidade: «A cruz torna.na-nos
irmãos». Os braços de Jesus, abertos na cruz, assinalam uma mudança
radical, porque Deus não aponta o dedo contra ninguém, mas abraça a cada
um. Pois só o amor apaga o ódio, só o amor vence completamente a
injustiça. Só o amor dá espaço ao outro. Só o amor é o caminho para a
plena comunhão entre nós”.
Francisco concluiu, convidando todos a pedirem “a Deus crucificado a
graça de sermos mais unidos, mais fraternos. Quando nos sentirmos
tentados a seguir as lógicas do mundo, recordemos as palavras de Jesus:
«Quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua
vida por causa de Mim e do Evangelho, há-de salvá-la». Quanto mais
estivermos agarrados ao Senhor Jesus, tanto mais seremos abertos e
«universais», porque nos sentiremos responsáveis pelos outros”.
Vatican News