sábado, 31 de dezembro de 2022

A gratidão do Papa a Bento XVI: Só Deus conhece os seus sacrifícios pelo bem da Igreja

 
 Na Basílica de S. Pedro estavam oito mil pessoas 
 
"Com comoção, recordamos a sua pessoa tão nobre, tão amável. E no coração sentimos tanta gratidão: gratidão a Deus por tê-lo dado à Igreja e ao mundo; gratidão a ele, por todo o bem que fez e, sobretudo, pelo seu testemunho de fé e oração, especialmente nestes últimos anos da sua vida retirada. Só Deus conhece o valor e a força da sua intercessão, dos seus sacrifícios oferecidos pelo bem da Igreja", disse Francisco nas Vésperas na Basílica de São Pedro.
 

Bianca Fraccalvieri – Vatican News

Gratidão: este foi o sentimento expresso pelo Papa Francisco ao recordar Bento XVI, que morreu esta manhã aos 95 anos.

Celebrando as Vésperas na Basílica Vaticana, o Pontífice começou a homilia meditando sobre a frase extraída da segunda leitura, da Carta de São Paulo aos Gálatas: “Nascido de uma mulher”.

“Ele não nasceu numa mulher, mas de uma mulher. É essencialmente diferente: significa que Deus quis ser da mesma carne dela”, explicou o Papa. Assim, ela começou o lento caminho da gestação de uma humanidade livre do pecado e repleta de graça e de verdade, repleta de amor e de fidelidade.

Este caminho prossegue até hoje, com o qual Deus convida-nos a segui-lo através de inúmeras virtudes humanas. Entre elas, Francisco quis destacar uma: a amabilidade ou gentileza. E eis que aflorou a lembrança do Papa emérito:

“E por falar em amabilidade, neste momento, o pensamento volta-se espontaneamente para o querido Papa emérito Bento XVI, que nos deixou esta manhã. Com comoção recordamos a sua pessoa tão nobre, tão amável. E no coração sentimos tanta gratidão: gratidão a Deus por tê-lo dado à Igreja e ao mundo; gratidão a ele, por todo o bem que fez e, sobretudo, pelo seu testemunho de fé e oração, especialmente nestes últimos anos da sua vida retirada. Só Deus conhece o valor e a força da sua intercessão, dos seus sacrifícios oferecidos pelo bem da Igreja.”

Retomando o conceito da amabilidade, Francisco afirma que se trata de uma virtude indispensável para viver em paz, a ser recuperada e exercida a cada dia para ir contra a corrente e humanizar as nossas sociedades. Um antídoto contra algumas patologias, como o individualismo consumista, a crueldade e a ansiedade.

Estas "doenças" do nosso dia a dia tornam-nos agressivos e incapazes de pedir "licença", ou "desculpa", ou simplesmente dizer "obrigado".

Quando encontramos na rua ou numa loja uma pessoa gentil, disse o Papa, ficamos maravilhados, parece-nos um pequeno milagre, porque infelizmente a amabilidade já não é muito comum. Mas ainda existem pessoas gentis.

Estes então são os votos do Pontífice:

“Queridos irmãos e irmãs, penso que resgatar a amabilidade como virtude pessoal e cívica pode ajudar muito a melhorar a vida nas famílias, nas comunidades e nas cidades. A experiência ensina que ela, ao tornar-se um estilo de vida, pode criar uma convivência saudável, pode humanizar as relações sociais dissolvendo a agressividade e a indiferença.”

Por fim, uma recomendação a venerar a Mãe de Deus. Para a celebração das Vésperas, estava na Basílica a imagem de Nossa Senhora do Carmo de Avigliano, no sul da Itália:

“Não subestimemos o mistério da maternidade divina! Deixemo-nos maravilhar pela escolha de Deus, que poderia ter aparecido no mundo de mil maneiras mostrando o seu poder, e ao invés quis ser concebido livremente no seio de Maria. (...) Não passemos apressados, paremos para contemplar e meditar, porque aqui está um traço essencial do mistério da salvação. E procuremos aprender o “método” de Deus, o seu respeito infinito, por assim dizer a sua ‘bondade’, porque na maternidade divina da Virgem está o caminho para um mundo mais humano.”

Vatican News

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Pelé: "Deus deu-me o dom de saber jogar futebol"

 
 Papa recebeu em 2014 camiseta da seleção autografa por Pelé 
 
"Deus deu-me o dom de saber jogar futebol, porque realmente é só um dom de Deus. Meu pai ensinou-me a usá-lo, ensinou-me a importância de estar sempre pronto e treinado, e que além de jogar bem, devia ser também um homem." A declaração foi publicada pelo jornal vaticano em 2009.
 

Bianca Fraccalvieri - Vatican News

Quem foi melhor: Pelé ou Maradona?

Nos seus quase 10 anos de pontificado, o Papa ouviu e fez esta pergunta inúmeras vezes quando se encontrou com brasileiros nas suas audiências.

A opinião de Francisco não conhecemos, mas sabemos do valor que o Pontífice atribui ao desporto, assim como os seus antecessores que se encontraram com Pelé.

Francisco não teve a ocasião, mas ganhou do Rei, em 21 de fevereiro de 2014, uma camiseta da seleção brasileira autografada com os dizeres: "Para o Papa Francisco, com respeito e admiração. Edson Pelé".

Na Alemanha, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, em 20 de agosto de 2005 Bento XVI recebeu Pelé por ter sido escolhido pela prefeitura como "embaixador" do evento. "Parece que a gente está a falar mais perto de Cristo quando é abençoado pelo Papa. Ele pegou nas minhas mãos e disse: 'O desporto é muito importante para o ser humano. Foi uma benção maravilhosa."

Nos seus 82 anos de vida, o Rei ainda foi recebido por dois santos: São João Paulo II e São Paulo VI.

O jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, publicou na sua edição de 9 de julho de 2009, a seguinte declaração:

"Deus deu-me o dom de saber jogar futebol, porque realmente é só um dom de Deus. Meu pai ensinou-me a usá-lo, ensino-me a importância de estar sempre pronto e treinado, e que além de jogar bem, devia ser também um homem.

De certos valores tive ainda o privilégio de falar com três Papas. Com efeito, considero-me um homem muito abençoado porque pude encontrar e receber a bênção de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI. Daqueles encontros guardo com prazer as fotografias que o Vaticano me enviou. Com estes três Pontífices pude falar da minha vida e de Deus. Foram momentos muito importantes para mim, que ficaram no coração."

Vatican News

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Papa: rezemos por Bento XVI, ele está doente e no silêncio apoia a Igreja

 
 Papa Francisco e Bento XVI - (Vatican News) 
 
NJo final da Audiência Geral, Francisco pediu aos fiéis uma "oração especial" pelo seu antecessor de 95 anos: "Que o Senhor o sustente neste testemunho de amor à Igreja até ao fim". O Diretor da Sala de Imprensa do Vaticano lançou um comunicado na manhã afirmando: "A situação no momento permanece sob controle, constantemente monitorada pelos médicos"
 

Salvatore Cernuzio – Vatican News

No meio das saudações aos fiéis italianos no final da Audiência Geral desta quarta-feira (28), destacando-se do texto escrito, Francisco, olhando para os presentes na Sala Paulo VI, confiou-lhes uma intenção muito precisa: "Uma oração especial pelo Papa emérito Bento XVI, que no silêncio está a sustentar a Igreja". "Recordemos, ele está muito doente, pedindo ao Senhor que o console e o sustente neste testemunho de amor à Igreja até ao fim".

No Mater Ecclesiae

Poucas palavras, pronunciadas pelo Papa Francisco, que insinuam o delicado estado de saúde de Bento XVI, que completou 95 anos em 16 de abril passado. Joseph Ratzinger, que após a sua demissão em fevereiro de 2013, mora no Mosteiro Mater Ecclesiae, nos Jardins do Vaticano. Ele é assistido pelas consagradas Memores Domini e pelo seu secretário pessoal, Dom Georg Gänswein, que ao longo dos anos falou sempre de uma vida passada em oração, música, estudo e leitura.

A ligação entre Francisco e Bento

Em numerosas ocasiões, Francisco falou da ligação com seu antecessor, a quem ele chamou de "pai" e "irmão" no Angelus de 29 de junho de 2021, por ocasião do 70º aniversário da ordenação sacerdotal de Ratzinger. Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco iniciou a "tradição" de visitar o Pontífice Emérito, começando com a primeira histórica visita logo após a sua eleição em que chegou de helicóptero à residência de Castel Gandolfo, onde Bento XVI permaneceu algumas semanas antes de se mudar para o Vaticano. No período que antecede o Natal ou a Páscoa ou por ocasião de consistórios com novos cardeais, Francisco mostrou sempre  um gesto de proximidade e cortesia ao visitar o mosteiro do Vaticano para votos de felicitações e saudação.

Visita a Bento XVI após a Audiência

Após a Audiência Geral, respondendo a perguntas de jornalistas, o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, afirmou o seguinte:

"Quanto ao estado de saúde do Papa Emérito, para quem o Papa Francisco pediu orações no final da Audiência Geral desta manhã, posso confirmar que nas últimas horas houve um agravamento devido ao avanço da idade. A situação no momento permanece sob controle, constantemente monitorada pelos médicos". Afirmando ainda que, "no final da Audiência Geral, o Papa Francisco foi ao mosteiro Mater Ecclesiae para visitar Bento XVI. Nós nos unimos a ele na oração pelo Papa Emérito".

Vatican News

Papa: Natal é festa, mas não esquecer que a manjedoura é o trono de Jesus

 
 
No dia do quarto centenário da morte de São Francisco de Sales, o Papa inspirou a sua catequese nos ensinamentos de Natal do Santo e Doutor da Igreja, anunciando ainda a publicação de uma Carta Apostólica intitulada "Tudo pertence ao amor". 
 

Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano

Na Sala Paulo VI, o Papa realizou a última Audiência Geral do ano de 2022.

Neste tempo litúrgico, Francisco fez uma pausa no ciclo sobre o discernimento e dedicou sua catequese ao mistério do Natal, inspirando-se num santo em particular: São Francisco de Sales.

Por ocasião do quarto centenário da morte deste Bispo e Doutor da Igreja, o Pontífice anunciou que hoje será publicada a Carta Apostólica intitulada "Tudo pertence ao amor".

Manjedoura

Numa das suas muitas cartas dirigidas a Santa Joana Francisca de Chantal, São Francisco de Sales escreve: "Eu prefiro cem vezes ver o querido Menino na manjedoura, do que todos os reis nos seus tronos".

Jesus, o Rei do universo, comentou o Papa, “nunca se sentou num trono, nasceu num estábulo, envolto em faixas e deitado numa manjedoura; e no fim morreu numa cruz e, envolto num lençol e foi deposto no sepulcro”.

A manjedoura, portanto, não é apenas um detalhe logístico, mas um elemento simbólico para entender que tipo de Messias é Aquele que nasceu em Belém, ou seja, quem é Jesus.

“O sinal é: encontrarão um menino sobre uma manjedoura. Este é sinal. O trono de Jesus ou é a manjedoura ou a rua, durante a sua vida, pregando, ou a cruz no final da vida. Este é o trono do nosso Rei.”

Este sinal mostra o 'estilo' de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura e quer atrair-nos com o amor.

Noutra carta a uma religiosa, sempre no contexto do Natal, São Francisco de Sales escreve: "O íman atrai o ferro e o âmbar atrai a palha e o feno".

Amor

Às vezes, explicou Francisco, somos '"ferro", isto é, somos duros, rígidos, frios. Noutros momentos, somos "palha", frágeis, fracos, inconsistentes. "As nossas forças, as nossas fragilidades, só se resolvem diante do presépio, ou diante da Cruz." Então, Deus encontrou o meio para nos atrair como somos: com o amor. 

“Não é um amor possessivo e egoísta, como infelizmente é tão frequente o amor humano. O seu amor é puro dom, pura graça, é tudo e somente para nós, para o nosso bem. E assim ele nos atrai, com este amor desarmado e desarmante.”

“Quando vemos esta simplicidade de Jesus, também nós jogamos fora as armas da soberba e vamos ali, humildes, pedir salvação, perdão, luz para a nossa vida, para poder ir em frente. Não se esqueçam do trono de Jesus: a manjedoura e a cruz.”

Pobreza

Outro aspeto que se destaca no presépio é a pobreza, entendida como a renúncia a toda vaidade mundana. E hoje, lamentou o Pontífice, quanto dinheiro é gasto por vaidade. São Francisco de Sales escreve ainda: "Não encontro outro mistério em que a ternura e a austeridade, amor e tristeza, doçura e dureza sejam tão docemente misturados”. O Natal certamente é alegria e festa, mas na simplicidade e austeridade, completou o Papa.

“Hoje vemos 'outro Natal', entre aspas, uma caricatura mundana do Natal, que o reduz a uma festa de consumo. Pode-se fazer festa, isto é bom, mas que não seja Natal. Natal é outra coisa.”

Francisco conclui com mais um pensamento de São Francisco de Sales dois dias antes da sua morte, em que afirma que “não devemos desejar nada nem recusar nada, suportando tudo o que Deus nos enviará, o frio e as agruras do tempo".

Estas palavras, afirmou o Papa, significam que devemos aceitar tudo o que Deus nos manda, “mas atenção: sempre e só por amor, porque Deus nos ama e quer sempre e só o nosso bem”. O caminho da felicidade, concluiu, passa pela manjedoura e pela cruz.

“A todos vós e vossas famílias, ainda Feliz Natal e um bom início de Ano Novo!”, foram os votos finais de Francisco.

Vatican News

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Papa: Santo Estêvão, testemunha da caridade, do anúncio e do perdão

 
 
 
“Caridade e anúncio, assim era Estêvão: ele soube unir a caridade e o anúncio. Deixou-nos o seu testemunho no momento da morte, quando seguindo o exemplo de Jesus, perdoou aos seus assassinos”. Palavras do Papa Francisco no Angelus desta segunda-feira (26/12) festividade de Santo Estêvão Mártir
 

Jane Nogara - Vatican News

Na festividade de Santo Estêvão Mártir, o Papa dedicou algumas palavras ao santo no Angelus desta segunda-feira (26) na Praça de São Pedro. Francisco iniciou recordando que na liturgia, logo depois do Natal, são comemoradas figuras dramáticas de Santos mártires, entre eles Santo Estêvão e os Santos Inocentes, as crianças mortas pelo rei Herodes. E pergu-se o porquê, logo ressaltando que não nos devemos acomodar “porque o Natal não é a fábula do nascimento de um rei, mas a vinda do Salvador, que nos livra do mal ao tomar sobre si o nosso mal: o egoísmo, o pecado, a morte. E os mártires são os mais semelhantes a Ele”.

E explica que a palavra mártir significa testemunha: "Os mártires são testemunhas, isto é, irmãos e irmãs que, através das suas vidas, mostram-nos Jesus, que venceu o mal com a misericórdia. E convida todos a interrogarem-se: “nós, damos testemunho dele? E como podemos melhorar nisso? Podemos ser ajudados precisamente pela figura de Santo Estêvão”.

Santo Estêvão

Santo Estêvão, continuou Francisco, como um dos sete diáconos, fora consagrado para servir à mesa, para a caridade, e isso é importante porque Estêvão não se limitava a esta obra de assistência. Isto significa que o seu primeiro testemunho não foi dado em palavras, mas através do amor com o qual servia os mais necessitados.

“A todos que encontrava, falava de Jesus: partilhava a fé à luz da Palavra de Deus e dos ensinamentos dos Apóstolos”

O Papa, seguidamente afirmou que a segunda dimensão do seu testemunho é “acolher a Palavra e comunicar a sua beleza, contar como o encontro com Jesus muda a vida”.

Caridade e anúncio

“Caridade e anúncio, assim era Estêvão. Porém, o seu maior testemunho é ainda outro: ele soube unir a caridade e o anúncio. Deixou-nos o seu testemunho no aos seus assassinos”

A resposta

Eis então, continuou o Papa, a resposta à nossa pergunta: “nós podemos melhorar o nosso testemunho através da caridade para com os nossos irmãos e irmãs, da fidelidade à Palavra de Deus e do perdão. Caridade, Palavra, Perdão. É o perdão que diz se realmente praticamos a caridade para com os outros e se vivemos a Palavra de Jesus”.

Por fim Francisco aconselha-nos “Pensemos na nossa capacidade de perdoar, nestes dias em que talvez encontremos, entre muitas outras, algumas pessoas com as quais não nos damos bem, que nos feriram, com as quais nunca mais fizemos as pazes. Peçamos a Jesus recém-nascido a novidade de um coração capaz de perdoar: a força para rezar por aqueles que nos feriram e para dar passos de abertura e de reconciliação”.

Vatican News

domingo, 25 de dezembro de 2022

Homilia na Solenidade do Natal do Senhor

 

  

Viveremos dias ultimados

Permiti, caríssimos, que me fixe numa frase essencial, há bem pouco ouvida. Dela tirarei dois pontos realmente finais: Que se conclui em Cristo tudo o que Deus tem para nos dizer de si próprio; e que assim mesmo se ultima o tempo todo, como criação realizada. A frase é esta: «Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo.»

Fixemo-nos neste começo da Carta aos Hebreus. E admiremo-nos com o facto de nas primeiras gerações já se conseguir enunciar em tão poucas palavras o essencial da doutrina cristã, que aprofundamos desde então. Especialmente o sentido global que contém, tão importante agora para ultrapassarmos desvios ou exclusivismos que o Evangelho de Cristo não permite.

A Carta é escrita especialmente para aqueles judeus que acreditaram em Jesus como o Messias anunciado pela tradição profética. Não mudavam propriamente de religião, antes a reconheciam completada por tudo quanto Jesus fizera e dissera. Não esqueçamos que Ele próprio não dispensava a Lei e os Profetas, mas lhes dava pleno cumprimento: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição» (Mt 5, 17).

Foi também assim que os cristãos herdaram e honraram tudo o que os antigos crentes tinham transmitido e passado a escrito no que chamamos Antigo Testamento. Também a partir daí entenderam a vida de Jesus, o porquê do seu nascimento e o sentido redentor da sua morte, como Emanuel primeiro e como Servo de Javé depois.


Também continuamos a rezar os salmos, como Jesus fazia e nós com Ele prosseguimos. Dores e alegrias, medos e expetativas, pessoal ou coletivamente expressos na centena e meia de salmos que rezamos, tudo vemos à luz de Cristo, para nos revermos em Deus, que os inspirou. Tudo é humanidade no drama da salmodia e tudo pode ser salvo assim rezado.

Em todo o percurso bíblico houve progresso, de episódios situados em cada tempo e espaço para os significados mais amplos que ganharam depois. Como quem sobe os degraus da mesma escada até chegar ao seu topo e sem saltar nenhum.

Reconhecemos ainda, que tendo Deus falado muitas vezes e de muitos modos ao antigo povo bíblico, a sua voz chegou também a outros e até pelos profetas, como foi com a viúva de Sarepta e Elias, ou com o sírio Naamã e Eliseu.

Trechos como estes, não são únicos na tradição veterotestamentária e continuaram com Jesus, que chegou a elogiar no centurião romano uma fé maior do que entre os seus: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacob, no Reino do Céu…» (Mt 8, 10-11). A fé, sendo virtude teologal, é já comunicação divina. E o Natal de Jesus não tem fronteiras.

Detive-me aqui, porque, como o Papa Francisco tem insistido, é justo e necessário reconhecer que Deus não está ausente de tudo quanto existe de mais autêntico nas várias tradições humanas. A tradição bíblica, que herdamos e prosseguimos, exatamente pela grande humanidade que transporta, mesmo nas contradições que não esconde, é uma história padrão onde todas as outras podem encontrar acolhimento e campo aberto de diálogo e caminho em comum. Até certo ponto, é verdade; mas no ponto certo onde nos reencontramos como criação divina, presente em cada um, venha donde vier.

Lembremos como várias dessas outras tradições foram incorporadas no texto bíblico e, mesmo quando reinterpretadas, não foram dispensadas. Ou como São Paulo se aproximou da moral estoica, para a retidão das condutas, ou citou poetas gregos no seu discurso aos atenienses, para melhor falar do Deus de todos.

Na cidade e no tempo em que vivemos, creio terem lugar considerações deste género, rumo a uma convivência em que se respeite e admire a contribuição de tanta gente, com o que nos traz de melhor, em humanidade alargada. Creio que o Natal de Cristo também passa por aí.

Reparemos, a propósito, que o trecho da Carta aos Hebreus diz que «Deus nos falou por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas coisas e pelo qual também criou o universo». Nada lhe é estranho, portanto, no que à criação diz respeito. Esta é a base comum em que Jesus a situa e inteiramente perfaz. Podemos dizer que é o lugar do seu Natal, assim completo.


Dizia-nos também o texto da Carta aos Hebreus que “estes dias são os últimos”. Não tenhamos medo da frase, pois não se trata de tempo interrompido, mas sim realizado, nas mais profundas expetativas do coração humano.

Bem vistas as coisas, cada tempo é do tamanho da palavra que o preenche. Palavras ocas dão tempos vazios e mesmo perda de tempo, sabemos bem.

Palavras criativas, em qualquer som que tenham, essas sim, perduram. Vivemos delas no melhor da cultura que subsiste. Por vezes, damos a um tempo o nome de quem nele se expressou, fosse poeta ou músico, fosse filósofo, governante ou cidadão comum. Fosse sobretudo um santo. Tempos definidos por palavras que os demarcam.

Assim de hoje se dirá ser tempo do Papa Francisco, com as suas palavras sempre próximas e dirigidas a quem mais precisa de ser acolhido ou apoiado, como as dedicadas à situação na Ucrânia e noutras regiões devastadas pela guerra, ou referidas à dignidade dos migrantes ou aos problemas climáticos que impedem a sobrevivência das pessoas. Palavras que diz em Roma e nos locais mais problemáticos, sempre que é possível.

Estes dias são os últimos da parte de Deus, porque em Jesus nos diz tudo quanto tem para comunicar de essencial e de Si próprio. Por isso, este Menino é Verbo de Deus e Emanuel, que quer dizer Deus Connosco. Tempo de Deus a preencher o tempo humano, como nos diz Santo Agostinho neste seu passo tão expressivo: «Celebremos o dia feliz, em que o grande e eterno Dia, procedente do grande e eterno Dia, veio inserir-se neste nosso dia temporal e tão breve» (Sermão 185).

Diz também o trecho bíblico que n’Ele todas as coisas foram feitas. Olhemo-Lo então como padrão do que somos e havemos de ser, pois em Jesus tudo foi feito e é refeito, no sentido redentor da sua vinda ao mundo. Jesus é o enunciado final, onde se junta a expressão divina e a grande multiplicidade dos sons em que ressoa.

Em Jesus, como nasceu e viveu, recebemos tudo o que as idades nos trouxeram e continuarão a trazer, no essencial das civilizações e das culturas. A única advertência que lhes fez e fará é a de nunca ultrapassarem a humanidade concreta de cada um para chegarem ao absoluto de Deus. De Deus, que em Si mesmo é comunhão e só na comunhão com os outros se apreende. É esta a verdade do seu Natal. Tudo conflui para Jesus, como as ofertas trazidas de tão longe por aqueles magos que chegaram do Oriente.

Sejamos nós também, hoje e aqui, uma palavra ultimada e oferecida, com verdadeira qualidade cristã, a todos quantos nos procuram nesta cidade cosmopolita de Lisboa ou onde chegar a nossa vida, perto ou longe. A linguagem de Deus é solidária, dita e feita em cada gesto de Cristo e em todos aqueles em quem o seu Espírito trabalha para o bem de muitos.

Precisamos de ouvidos para ouvir deveras o que Deus nos diz no Natal de Cristo. Viveremos dias ultimados, porque nada há a acrescentar onde o amor verdadeiramente aconteça. Rezemos para que assim suceda também com a multidão de jovens de todo o mundo que virão a Lisboa na próxima Jornada Mundial da Juventude. Para que vivam dias tão preenchidos com a experiência de Cristo Vivo, que depois lhes defina a existência inteira e aonde forem.


Sé de Lisboa, 25 de dezembro de 2022

+ Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca

Patriarcado de Lisboa

Urbi et Orbi, o Papa: não nos esqueçamos de quem bate à nossa porta

 
 
Hoje como há dois mil anos Jesus, a luz verdadeira, vem a um mundo achacado de indiferença que não O acolhe; antes, rejeita-O como acontece a muitos estrangeiros, ou ignora-O como fazemos nós muitas vezes com os pobres. Hoje não nos esqueçamos dos numerosos deslocados e refugiados que batem à nossa porta: disse o Papa na tradicional Mensagem de Natal e Bênção Urbi et Orbi. Francisco ressaltou que vivemos uma carestia de paz e exortou a não se usar o alimento como arma de guerra
 

Raimundo de Lima – Vatican News

Como os pastores de Belém, deixemo-nos envolver pela luz e saimos para ver o sinal que Deus nos deu. Vençamos o torpor do sono espiritual e as falsas imagens da festa que fazem esquecer Quem é o Festejado. Saiamos do tumulto que anestesia o coração induzindo-nos mais a preparar ornamentações e prendas do que a contemplar o Evento: o Filho de Deus nascido para nós. Foi a exortação do Papa na tradicional Mensagem de Natal e Bênção Urbi et Orbi, da Sacada Central da Basílica Vaticana, diante de milhares de fiéis e peregrinos presentes na Praça São Pedro, e acompanhada pelos meios de comunicação em mundovisão.

“Voltemo-nos para Belém, onde ressoa o primeiro choro do Príncipe da paz. Sim, porque Ele mesmo – Jesus – é a nossa paz: aquela paz que o mundo não se pode dar a si mesmo e Deus Pai concedeu-a à humanidade enviando o seu Filho ao mundo”, ressaltou o Santo Padre.

Na realidade, é com tristeza que devemos constatar como, enquanto nos é dado o Príncipe da paz, ventos de guerra continuam a soprar, gelados, sobre a humanidade. Se queremos que seja Natal, o Natal de Jesus e da paz, voltemos o olhar para Belém e fixemo-lo no rosto do Menino que nasceu para nós! E, naquele rostinho inocente, reconheçamos o das crianças que, em todas as partes do mundo, anseiam pela paz, continuou o Papa.

Ucrânia

O nosso olhar se encha com os rostos dos irmãos e irmãs ucranianos que vivem este Natal na escuridão, ao frio ou longe das suas casas, devido à destruição causada por dez meses de guerra. O Senhor nos torne disponíveis e prontos para gestos concretos de solidariedade a fim de ajudar todos os que sofrem, e ilumine as mentes de quantos têm o poder de fazer calar as armas e pôr termo imediato a esta guerra insensata!

O nosso tempo vive uma grave carestia de paz também noutras regiões, noutros teatros desta terceira guerra mundial.

Síria, Terra Santa, israelitas e palestinos

Pensamos na Síria, ainda martirizada por um conflito que passou para segundo plano, mas não terminou; e pensamos na Terra Santa, onde nos últimos meses aumentaram as violências e os confrontos, com mortos e feridos. Supliquemos ao Senhor para que lá, na terra que O viu nascer, retomem o diálogo e a aposta na confiança mútua entre israelitas e palestinianos.

Médio Oriente

Jesus Menino ampare as comunidades cristãs que vivem em todo o Oriente Médio, para que se possa viver, em cada um daqueles países, a beleza da convivência fraterna entre pessoas que pertencem a crenças diferentes. De modo particular ajude o Líbano para que possa, finalmente, erguer-se com o apoio da Comunidade Internacional e com a força da fraternidade e da solidariedade.

Região do Sahel, Iémen, Mianmar e Irão

A luz de Cristo ilumine a região do Sahel, onde a convivência pacífica entre povos e tradições é transtornada por confrontos e violências, continuou Francisco. “Encaminhe para uma trégua duradoura no Iémen e para a reconciliação no Mianmar e no Irão, para que cesse completamente o derramamento de sangue”.

Continente Americano

E, no continente americano, frisou o Pontífice, “inspire as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade a trabalharem para pacificar as tensões políticas e sociais que afetam vários países; penso de modo particular na população haitiana, que está a sofrer há tanto tempo”.

O Santo Padre lembrou que a guerra na Ucrânia agravou ainda mais a situação, deixando populações inteiras em risco de carestia, especialmente no Afeganistão e nos países do Chifre de África. “Toda a guerra – bem o sabemos – provoca fome e serve-se do próprio alimento como arma, ao impedir a sua distribuição às populações já atribuladas. Neste dia, aprendendo com o Príncipe da paz, empenhemo-nos todos – a começar pelos que têm responsabilidades políticas – para que o alimento seja só instrumento de paz”, exortou ainda Francisco, que concluiu seguidamente:

Queridos irmãos e irmãs, hoje como há dois mil anos Jesus, a luz verdadeira, vem a um mundo achacado de indiferença - uma doença feia -, indiferença que não O acolhe (cf. Jo 1, 11); antes, rejeita-O como acontece a muitos estrangeiros, ou ignora-O como fazemos nós muitas vezes com os pobres. Hoje não nos esqueçamos dos numerosos deslocados e refugiados que batem à nossa porta à procura de conforto, calor e alimento. Não nos esqueçamos dos marginalizados, das pessoas sós, dos órfãos e dos idosos que correm o risco de acabar descartados, dos presos que olhamos apenas sob o prisma dos seus erros e não como seres humanos.

Vatican News

sábado, 24 de dezembro de 2022

Homilia da Missa da Noite de Natal

 

 

Guardando de noite os rebanhos…

Nesta celebração em que felizmente estamos, permiti que insista em dois pontos essenciais, para que o Natal nos continue a surpreender: primeiro, eram pastores, os chamados ao Presépio; segundo, era de noite que tal acontecia e é de “noite” que continua a acontecer – mesmo que seja dia. Fixemo-nos na frase evangélica: «Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos.»

É certo que a temos na memória e não a esquecemos nos nossos presépios, onde não faltam pastores e ovelhas junto do Menino recém-nascido. Mas também aqui se verifica a perenidade do que nos foi transmitido.

Lembremos que se tratava de pastores, gente pobre e pouco conceituada na altura, vivendo no campo e tratando de animais. Mas lembremos igualmente que o próprio Deus se revelara na tradição bíblica como “pastor” do seu povo; e mesmo Jesus se apresentou depois como o “bom pastor”. Bom pastor, com todas as referências que faz ao conhecimento das suas ovelhas, uma a uma, à procura das que se desgarrem do rebanho e à defesa de todas, face a qualquer agressão que surja.

Ainda que pobres de muitas pobrezas, ou exatamente por isso, eram pastores os que ouviram o anúncio angélico. E não foi certamente por acaso, antes requerendo alguma coincidência na atitude que devemos ter. Aqueles pastores dos arredores de Belém faziam-se parábola do que ali sucedia – de Deus para o mundo e do mundo para Deus.

Também aqui as personagens evangélicas se tornam exemplares e motivadoras para nós. O anúncio é dirigido aos que guardavam rebanhos no campo. – Não dirá isto alguma coisa sobre a qualidade dos destinatários, precisamente os que hoje guardam e cuidam dos outros?!

Fica a pergunta, mas adianto alguma resposta. Estou convicto de que agora mesmo, neste ano da graça de 2022, o Natal está a ser muito especialmente vivido por quem se preocupa com os outros e os acompanha e protege. Seja em situações de guerra aberta, como acontece na devastada Ucrânia e noutras partes do mundo; seja em situações de guerra surda, que endurece os corações onde tudo afinal começa, ou se resolve. Seja como for, o Natal acontecerá de verdade onde houver quem se disponha a cuidar de quem precisa.

É assim que a nossa cidade tem esta noite tantos Presépios quantos os lugares e situações em que haja bons pastores dos outros: em casas, hospitais ou mesmo ruas, onde o Menino nos espera em quem carece de algo, física ou espiritualmente que seja.

É bom assinalar o Natal com figurações a propósito, que lembrem o que aconteceu e festejem o que nos foi dado com o nascimento de Jesus. É indispensável que o celebremos, como estamos a fazer aqui, para agradecer a Deus a salvação que assim começou, tão esperada que fora – e continua a ser aonde o seu anúncio ainda não chegou, ou já foi esquecido. Mas tudo isto se há de tornar em missão, concreta e caso e caso, alargando o cuidado daqueles pastores de antanho pelos rebanhos que ali guardavam, noite adentro.

Também esta é uma referência a reter e muito a sério. Coincide bem com o modo de ser divino, que das trevas fez brilhar a luz e mais se manifesta no recôndito dos corações do que nos clarões que estonteiam.

Assim no relato da criação, quando “a luz foi feita”. Assim com Abraão, quando Deus lhe levantou os olhos para as miríades de estrelas que pontuavam de luz o céu noturno. Assim com Moisés, quando saiu do Egito na primeira Páscoa que foi. Assim, Bíblia fora, até àquela noite em que Jesus revelou a Nicodemos o porquê do seu Natal e de tudo o mais: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que crê nele não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). Tudo prenúncio da noite em que do sepulcro transbordou a vida do Ressuscitado!

Não foi algo de meramente circunstancial, aquela noite em Belém. Trata-se, isso sim, duma condição para vivermos o Natal de Cristo e quanto ele nos traz. Trata-se de acolher o Emanuel, que quer dizer “Deus Connosco”, estando nós também com Ele, no seu modo de ser e acontecer, geralmente discreto, muito discreto mesmo.

Requer um anoitecer de tudo quando nos distraia. Requer disponibilidade e concentração totais, desfazendo no nosso espírito quanto não seja Deus e a sua manifestação em Cristo: palavra, gesto e rosto, pouco a pouco desvendado.

Aliás, Jesus também rezava de noite, como neste passo evangélico: «Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus» (Lc 6, 12). Realizava na terra o diálogo que eternamente mantém com o Pai. Diálogo oculto aos nossos olhos, ainda que nos chegue pelo Espírito que derramam.

É um ponto importante e uma advertência séria. Importante, porque as coisas, e sobretudo as pessoas, são muito mais do que parecem e só com muita concentração lhes captamos a verdade. Assim em relação aos outros e sobretudo em relação a Deus.

E uma advertência séria, pois corremos o risco de viver exteriormente estes dias, distraídos do essencial que nos oferecem. Do que oferecem, sim, mas apenas a quem anoitece os olhos para vislumbrar o Presépio.

Creio que, pastoralmente falando, é uma das maiores urgências que temos, esta de nos educarmos para uma atitude contemplativa, que feche por um tempo os olhos do corpo e abra os da alma para a luz que desponta.

Não é sem preparação e trabalho que nos tornaremos capazes de adorar a presença sacramental de Jesus eucarístico, qual Natal continuado, como cantou São João da Cruz: «Bem eu sei a fonte que mana e corre, embora seja noite […] E esta eterna fonte está escondida em este vivo pão a dar-nos vida, embora seja noite».

Convenhamos que, se “orar é falar com Deus”, temos muito mais para ouvir do que para dizer… E mais para ver com os olhos da alma do que apenas com os do corpo, tão distraídos geralmente. Se aprendermos isto em relação a Deus, também o faremos em relação aos outros, realmente ouvidos e verdadeiramente vistos. Os outros, em quem o Natal de Cristo continua, à espera de quem o divise na noite.

Talvez por isso, entre as várias Missas de Natal, seja esta particularmente tocante. Toda a tradição mística insiste no motivo, da “noite”, que é necessário fazer em nós, para que Deus amanheça ao nosso olhar profundo. Logo São Paulo, que nos alertou para a necessidade de passarmos do visível ao invisível e finalmente entrevermos o que importa: «Não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas» (2 Cor 4, 18).

E o próprio Cardeal Newman, hoje nos altares, foi nesses termos que cantou a sua conversão, caminhando como os pastores ao encontro do Menino Deus: «Luz terna, suave, no meio da noite, leva-me mais longe…» Assim foi e lá nos espera, em Natal alcançado.

Prossigamos então, neste caminho aberto, mesmo quando obscuro. Quando desejamos um “santo” Natal, confessamos que é de Deus e necessariamente ao seu modo. Como foi então e há de ser agora. – Como acontecerá com a Jornada Mundial da Juventude, pela qual sempre rezamos, e será “Natal” para muita gente, mesmo em agosto, compartilhando Cristo vivo pelas mãos da Virgem Mãe!


Sé de Lisboa, 25 de dezembro de 2022

+ Manuel, Cardeal-Patriarca

Patriarcado de Lisboa

domingo, 18 de dezembro de 2022

Papa no Angelus: nas crises não ceder à raiva, Deus abre novos caminhos

 
 
 
O Papa Francisco rezou o Angelus com os fiéis reunidos na Praça de S. Pedro, neste quarto e último domingo do Advento, quando a liturgia nos apresenta a figura de S. José.
 

Silvonei José - Vatican News

“Quando se habita a crise sem ceder ao fechamento, à raiva e ao medo, mas mantendo a porta aberta para Deus, Ele pode intervir. Ele é um especialista em transformar crises em sonhos”: foi o que disse o Papa Francisco neste quarto e último domingo do Advento, quando a liturgia nos apresenta a figura de S. José.

O Papa recordou que José é um homem justo, que está prestes a casar-se. Podemos imaginar o que ele sonha para o futuro: uma bonita família, com uma esposa afetuosa e muitos bons filhos, e um trabalho digno: sonhos simples e bons. De repente, porém, esses sonhos rompem-se contra uma descoberta desconcertante: Maria, sua noiva, está à espera de uma criança e essa criança não é dele! O que deve ter sentido José? Perplexidade, dor, desânimo, talvez até irritação e desilusão... O mundo desmorona-se sobre ele! E o que pode ele fazer?

Francisco diz então que ele tem duas opções. A primeira é denunciar Maria e fazê-la pagar o preço por suposta infidelidade. A segunda é anular o seu noivado em segredo, sem expor Maria ao escândalo e a pesadas consequências, mas, porém, assumindo sobre si o fardo da vergonha. José escolhe este segundo caminho: o caminho da misericórdia.

"E eis que, no coração da crise, precisamente quando pensa e avalia tudo isto, Deus acende uma nova luz no seu coração: em sonho, Ele anuncia-lhe que a maternidade de Maria não vem de uma traição, mas é obra do Espírito Santo, e o menino que nascerá é o Salvador (cf. vv. 20-21); Maria será a mãe do Messias e ele será o seu guardião. Ao acordar, José percebe que o maior sonho de todo o israelita piedoso - ser o pai do Messias - está a tornar-se realidade para ele de uma forma totalmente inesperada".

 

  Praça de S. Pedro durante o Angelus-.

Para realizá-lo, de facto, não será suficiente que ele pertença à descendência de David e seja um fiel observador da lei, mas terá que confiar em Deus acima de tudo, acolher Maria e o seu filho de uma maneira completamente diferente de como se esperava, diferente do de como sempre se tinha feito. Por outras palavras, José terá que renunciar às suas certezas tranquilizadoras, aos seus planos perfeitos, às suas legítimas expetativas e abrir-se a um futuro a ser descoberto.

E diante de Deus, que interrompe os planos e pede confiança, José responde sim. A sua coragem é heroica e realiza-se no silêncio: ele confia, acolhe, está disponível, ele não pede mais garantias.

O Papa pergunta-nos, o que nos diz hoje, José? Também temos os nossos sonhos, e talvez no Natal pensemos mais neles, falemos sobre eles juntos. Talvez lamentemos alguns sonhos quebrados, e vemos que as melhores esperas são frequentemente confrontadas com situações inesperadas e desconcertantes.

 

 Fieis na Praça de S.Pedro 

"Quando isto ocorre, José mostra-nos o caminho: não devemos ceder a sentimentos negativos, como a raiva e fechamento, esse é o caminho errado! Em vez disso, devemos acolher as surpresas da vida, também as crises, com atenção: quando se está em crise, não se deve escolher apressadamente segundo o instinto, mas, como José, "considerar todas as coisas" (cf. v. 20) e basearmo-nos no critério básico: a misericórdia de Deus".

Quando se habita a crise – continua Francisco - sem ceder ao fechamento, à raiva e ao medo, mas mantendo a porta aberta para Deus, Ele pode intervir. Ele é um especialista em transformar crises em sonhos: sim, Deus abre as crises a perspetivas novas, talvez não como esperamos, mas como Ele sabe.

Estes – finalizou o Papa - "são os horizontes de Deus: surpreendentes, mas infinitamente mais amplos e bonitos do que os nossos! Que a Virgem Maria nos ajude a viver abertos às surpresas de Deus".

 

Vatican News

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Papa Francisco: a humildade é a via mestra da vida cristã

 
 
"Vigiar o coração, porque a vigilância é sinal de sabedoria, é acima de tudo sinal de humildade, porque temos medo de cair e a humildade constitui a via mestra da vida cristã". São palavras do Papa Francisco na catequese desta quarta-feira, 14 de dezembro, na Sala Paulo VI
 

Jane Nogara - Vatican News

“Para que o discernimento tenha um bom êxito, é preciso uma atitude de vigilância”, partindo deste ponto o Papa Francisco falou na catequese desta quarta-feira (14/12) sobre a importância de sermos humildes e vigilantes. Disse ainda que depois de um percurso de catequeses sobre o discernimento, e aqui recordou que começou com o exemplo de Santo Inácio de Loyola; seguido pelos elementos do discernimento - isto é, a oração, o conhecimento de si, o desejo e o “livro da vida” – pela meditação sobre a desolação e a consolação, que formam a sua “matéria”;  chegou-se à confirmação da escolha feita.

A atitude da vigilância

“Nesta altura”, disse o Papa, “considero necessário incluir a atenção a uma atitude essencial, a fim de que não se perca todo o trabalho levado a cabo para discernir o melhor e tomar a boa decisão: a atitude da vigilância”. E explicou que o risco existe e que este risco é que o “desmancha-prazeres”, ou seja, o Maligno, possa arruinar tudo, fazendo-nos voltar ao ponto de partida, aliás, a uma condição ainda pior. Eis porque é indispensável estar vigilante. Acrescentou ainda que esta atitude é fundamental para que “o processo de discernimento tenha bom êxito”. "Vigiar para cuidar do nosso coração e compreender o que se passa dentro". E disse:

“Com efeito, na sua pregação, Jesus insiste muito que o bom discípulo é vigilante, não adormece, não se deixa tomar pela segurança excessiva quando tudo corre bem, mas permanece atento e pronto para cumprir o seu dever”

Insistindo neste ponto o Papa disse ainda: “Se faltar a vigilância, como dissemos, será muito forte o risco de que tudo se perca. Não se trata de um perigo de ordem psicológica, mas sim espiritual, uma verdadeira cilada do espírito maligno”. E disse que esta cilada ocorre “quando nos sentimos demasiado seguros de nós próprios, quando tudo corre bem, quando as coisas vão ‘às mil maravilhas’”. E dá um exemplo recordando a parábola evangélica ouvida que diz que “o espírito impuro, quando regressa à casa de onde tinha saído, ‘encontra-a vazia, limpa e adornada’ (Mt 12, 44). Tudo está no lugar, tudo está em ordem, mas onde se encontra o dono da casa? Não está presente. Eis o problema!". Ao esclarecer que o dono da casa não está presente diz:

“Não está vigilante, não está atento, pois sente-se demasiado seguro de si mesmo e perdeu a humildade de salvaguardar o próprio coração”

E isto faz com que o espírito maligno aproveite e regresse àquela casa. Advertindo “o Evangelho diz que não regressa sozinho, mas com ‘outros sete espíritos piores do que ele’ (v. 45). Uma companhia de malfeitores, um bando de bandidos".

Presunção e orgulho

Mas como pode acontecer isto? Francisco recorda que o dono da casa “apaixonou-se demasiado pela casa, ou seja, por ele mesmo, e deixou de esperar o Senhor, de aguardar a vinda do Esposo”. "Uma coisa é certa", completou, "tem a ver com o mau orgulho, com a presunção de estar certo, de ser bom, de estar bem".

“Quando confiamos demasiado em nós próprios e não na graça de Deus, então o Maligno encontra a porta aberta”

Concluindo este ponto o Papa adverte com as palavras de Jesus: “A condição daquele homem torna-se pior do que a primeira”. Por fim o Papa recomenda a todos: “Não é suficiente fazer um bom discernimento e uma boa escolha. É preciso permanecer vigilante. Precisamos de permanecer vigilantes, vigiar o coração. Se eu perguntasse a cada um de vós e a mim mesmo: 'o que está a contecer no teu coração?' Talvez não possamos dizer tudo: diríamos uma ou duas coisas, mas não tudo. Vigiar o coração, porque a vigilância é sinal de sabedoria, é acima de tudo sinal de humildade, porque temos medo de cair e a humildade constitui a via mestra da vida cristã"

Vatican News

domingo, 11 de dezembro de 2022

Papa: o Advento é um tempo para aprender de novo quem é o nosso Senhor

 
 
“O Advento é tempo de inversão de perspetivas, no qual nos deixarmos maravilhar pela grandeza da misericórdia de Deus”, são palavras do Papa Francisco no Angelus deste domingo, 11 de dezembro na Praça de São Pedro
 

Jane Nogara - Vatican News

No Angelus deste 3° Domingo do Advento (11/12), o Papa falou sobre as crises e dúvidas da nossa fé. Falando sobre o Evangelho de Mateus, recordou a “crise de João Batista” que enviou os eus discípulos para perguntarem a Jesus: "És tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar um outro?”. Francisco ressaltou que faz bem a todos determo-nos sobre esta crise de João Batista, porque pode dizer algo importante.

O túnel da dúvida

“Ficamos surpresos que isto aconteça justamente com João” disse o Pontífice, “que batizou Jesus no Jordão e o indicou a seus discípulos como o Cordeiro de Deus (cf. Jo 1,29). Mas isto significa que mesmo o maior crente passa pelo túnel da dúvida.

“E isso não é algo mau; pelo contrário, às vezes é essencial para o crescimento espiritual: ajuda-nos a entender que Deus é sempre maior do que imaginamos”

Tempo de inversão de perspetivas

Portanto disse ainda o Papa, “nunca devemos deixar de procurá-Lo e de nos convertermos à sua verdadeira face”. Explicando que também nós poderemos encontrar-nos na sua situação, numa prisão interior, incapazes de reconhecer a novidade do Senhor, a quem talvez tenhamos em cativeiro na presunção de que já sabemos muito sobre Ele. Francisco recorda que muitas vezes “temos as nossas ideias, os nossos preconceitos, e rotulamos os outros - especialmente os que sentimos que são diferentes de nós – com rígidas etiquetas”. Exortando em seguida:

“O Advento é tempo de inversão de perspetivas, no qual nos deixarmos maravilhar pela grandeza da misericórdia de Deus”

“Um tempo em que”, concluiu o Papa, “preparando o presépio para o Menino Jesus, aprendemos de novo quem é o nosso Senhor; um tempo de sairmos de certos esquemas e preconceitos para com Deus e os irmãos; um tempo em que, em vez de pensarmos em presentes para nós, possamos doar palavras e gestos de consolo aos que estão feridos, como Jesus fez com os cegos, os surdos e os coxos”.

Vatican News

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Papa Francisco: “Confiemos em Maria, cheia de graça e de beleza”

 
 
 
Na Solenidade da Imaculada Conceição o Papa recordou a Anunciação quando o Anjo chamou Maria de “cheia de graça”, que é o nome que Deus lhe dá e que celebramos hoje” disse Francisco no Angelus desta quinta-feira, 8 de dezembro
 

Jane Nogara - Vatican News

No Angelus desta Solenidade da Imaculada Conceição, o Papa Francisco falou sobre a Anunciação a Maria do Evangelho de Lucas. Logo no início recordou-nos que o Anjo a chama de “cheia de graça”, um nome que Maria desconhecia até então. 

“Cheia de graça, e portanto vazia de pecado, é o nome que Deus lhe dá e que festejamos hoje”

Reconhecer a nossa graça original

Pensemos na surpresa de Maria, que só então descobriu “a sua identidade mais verdadeira”, disse o Papa. “Algo semelhante também pode acontecer connsco. Em que sentido?” e disse:

“No sentido de que nós pecadores também recebemos um dom inicial que encheu as nossas vidas, um bem maior do que qualquer coisa, uma graça original, da qual, no entanto, muitas vezes não temos conhecimento”

A nossa beleza original

Neste ponto perguntamos a nós mesmos, do que se trata. “Trata-se”, explicou o Papa, “do que recebemos no dia do nosso Batismo, por isso faz-nos bem recordarmos e também festejarmos! Pois no Batismo, Deus desceu às nossas vidas, tornámo-nos seus filhos amados para sempre. Esta é a nossa beleza original, da qual nos alegrarmos!”. Francisco recordou-nos que hoje, Maria, surpreendida pela graça que a tornou bela desde o primeiro momento da sua vida, leva-nos a maravilhar-nos com a nossa beleza. “Podemos apreendê-lo através de uma imagem: a do manto branco do Batismo”, porque descobrimos que, “sob o mal com o qual nos manchamos ao longo dos anos, há em nós um bem maior”.

A nossa graça original

Ponderando seguidamente: "Quando as coisas não vão bem e ficamos desanimados, quando ficamos abatidos e corremos o risco de nos sentirmos inúteis ou errados, pensemos nisto, na graça original". 

O custo de preservar nossa beleza

“Hoje, a Palavra de Deus ensina-nos outra coisa importante: que preservar nossa beleza requer um custo, uma luta. De facto”, afirmou ainda:

“O Evangelho mostra-nos a coragem de Maria, que disse ‘sim’ a Deus, que escolheu o risco de Deus”

Acrescentando, “também sabemos por experiência: é difícil escolher o bem, guardar o bem que está dentro de nós. Pensemos, quantas vezes o desperdiçamos cedendo às seduções do mal, sendo espertos pelos nossos próprios interesses ou fazendo algo que poluiria os ossos corações”.

O consolo

“Mas diante de tudo isto” consola-nos o Santo Padre, “hoje temos boas notícias: Maria, a única criatura humana sem pecado na história, está connosco na luta, ela é nossa irmã e, sobretudo, nossa Mãe. E nós, que lutamos para escolher o bem, podemos confiar-nos a ela. Confiando-nos, consagrando-nos a Nossa Senhora, nós dizemos-lhe: ‘Segura a minha mão, guia-me: contigo terei mais força na luta contra o mal, contigo redescobrirei a minha beleza original’”. Francisco pede ainda outra oração para hoje, confiando-nos a Maria, todos os dias: "Maria, confio a ti a minha vida, a minha família, o meu trabalho, o meu coração e as minhas lutas. Eu me consagro a ti".

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