domingo, 21 de julho de 2024

Papa no Angelus: "Devemos estar atentos à ditadura do fazer"

 

 
Durante a oração mariana deste domingo, 21 de julho, Francisco fez um alerta para a nossa sociedade frequentemente prisioneira da pressa e do ativismo: "somente se o nosso coração não estiver consumido pela ansiedade de fazer, receberemos, no silêncio da adoração, a Graça de Deus".
 

Thulio Fonseca – Vatican News

“Do Evangelho aprendemos que essas duas realidades, descanso e compaixão, estão interligadas: só quando aprendemos a descansar podemos ter compaixão”. Este foi o cerne da reflexão do Papa Francisco na alocução que precedeu a oração do Angelus, deste domingo, 21 de julho, para os milhares de fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.

A liturgia de hoje (Mc 6,30-34), introduziu o Papa, narra que os apóstolos, ao retornar da missão, reuniram-se em redor de Jesus e contaram-lhe o que tinham feito; então, Ele disse-lhes: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco”. As pessoas, no entanto, percebem os seus movimentos e, quando descem da barca, Jesus encontra a multidão que o esperava, e sentindo compaixão, começa a ensinar.

Não perder de vista o essencial

Francisco sublinhou que, de um lado, temos o convite ao descanso e, de outro, a compaixão pela multidão, e completou, “parecem duas coisas inconciliáveis, mas, na verdade, elas complementam-se”:

“Jesus preocupa-se com o cansaço dos discípulos. Talvez Ele perceba um perigo que também pode afetar as nossas vidas e o nosso apostolado, quando, por exemplo, o entusiasmo em realizar a missão, assim como as responsabilidades e as tarefas que nos são confiadas, tornam-nos vítimas do ativismo, excessivamente preocupados com as coisas a fazer e com seus resultados.”

 Fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro 

Segundo o Papa, tais comportamentos impostos pela sociedade e pelo trabalho deixam-nos agitados e assim perdemos de vista o essencial, arriscando esgotar as nossas energias e cair no cansaço do corpo e do espírito:

“Este é um alerta importante para as nossas vidas, para a nossa sociedade frequentemente prisioneira da pressa, mas também para a Igreja e para o serviço pastoral: devemos estar atentos à 'ditadura do fazer'!”

"Irmãos e irmãs, vamos tomar cuidado com a ditadura do fazer! Isto pode acontecer por necessidade, também nas famílias, quando, por exemplo, o pai, para ganhar o pão, é obrigado a ausentar-se para trabalhar, sacrificando assim o tempo que poderia dedicar à família. Muitas vezes ele sai de manhã cedo, quando as crianças ainda estão a dormir, e volta tarde, à noite, quando já estão na cama. E isto é uma injustiça social. Nas famílias, o pai e a mãe deveriam ter tempo para compartilhar com os filhos, para cultivar esse amor familiar e não cair na ditadura do fazer. Pensemos no que podemos fazer para ajudar as pessoas que são obrigadas a viver assim."

Um olhar compassivo em direção ao próximo

Ao mesmo tempo, o descanso proposto por Jesus não é uma fuga do mundo, uma retirada para o bem-estar pessoal, recordou o Pontífice, pelo contrário, diante da multidão perdida, Ele sente compaixão:

“De facto, é possível ter um olhar compassivo, que consegue perceber as necessidades do outro, somente se o nosso coração não estiver consumido pela ansiedade de fazer, se soubermos parar e, no silêncio da adoração, receber a Graça de Deus.”

Descansar no Espírito

O Papa então propôs aos fiéis alguns questionamentos para uma reflexão pessoal: “Eu sei parar durante os meus dias? Sei dedicar um momento para estar comigo mesmo e com o Senhor, ou estou sempre tomado pela pressa das tarefas a realizar? Sabemos encontrar um pouco de 'deserto' interior em meio aos ruídos e às atividades de cada dia?"

Que a Virgem Santa nos ajude a “descansar no Espírito” mesmo no meio a todas as atividades quotidianas, e a sermos disponíveis e compassivos com os outros, concluiu o Papa Francisco.

Vatican News

domingo, 14 de julho de 2024

Papa: a missão faz-se juntos, com sobriedade de vida. O supérfluo escraviza

 
 
O Evangelho anuncia-se juntos, como comunidade, e para fazê-lo é importante ser sóbrio não só no uso das coisas, afirmou Francisco, mas também nos pensamentos, abandonando os preconceitos e a rigidez.
 

Bianca Fraccalvieri - Vatican News

O Papa rezou com os fiéis na Praça de São Pedro a oração do Angelus, comentando o Evangelho deste 15º Domingo do Tempo Comum. O trecho de Marcos (cf. Mc 6,7-13) fala de Jesus que envia os seus discípulos em missão "dois a dois".

Na sua alocução, Francisco deteve-se sobre o facto de os discípulos serem enviados juntos e levarem consigo apenas o necessário.

"O Evangelho não é proclamado sozinho, mas em conjunto, como comunidade, e para fazer isso é importante saber preservar a sobriedade", explicou o Pontífice. É importante saber ser sóbrio no uso das coisas, compartilhando recursos, habilidades e dons, prescindindo do supérfluo, que "escraviza". Só assim se é livre.

A sobriedade, prosseguiu Francisco, também é necessária nos pensamentos e nos sentimentos, abandonando preconceitos e a rigidez que, como bagagem inútil, pesam e dificultam o caminho, para favorecer, ao invés, o debate e a escuta e, assim, tornar o testemunho mais eficaz.

É o que acontece nas famílias ou comunidades: quando nos contentamos com o necessário, mesmo com pouco, com a ajuda de Deus é possível seguir em frente e entender-se, compartilhando o que se tem, todos renunciando a alguma coisa e apoiarem-se mutuamente. Para o Pontífice, isto já é um anúncio missionário, antes e até mais do que palavras, porque encarna a beleza da mensagem de Jesus na concretude da vida.

"Uma família ou uma comunidade que vive desst forma, de faco, cria em torno de si um ambiente rico de amor, no qual é mais fácil abrir-se à fé e à novidade do Evangelho, e do qual se sai melhor e mais sereno."

Se, ao contrário, cada um segue o seu próprio caminho, se o que conta são apenas as coisas - que nunca são suficientes -, se não há escuta, se prevalecem o individualismo e a inveja, que é "mortal, um veneno", o ar torna-se pesado, a vida difícil, e os encontros tornam-se mais ocasião de inquietação, tristeza e desânimo do que de alegria.

"Queridos irmãos e irmãs, comunhão e sobriedade são valores importantes para a nossa vida cristã, valores indispensáveis para uma Igreja missionária, a todos os níveis."

O Papa então convidou os fiéis a questionarem-se: sinto prazer em anunciar o Evangelho, de levar, onde vivo, a alegria e a luz que provêm do encontro com o Senhor? Para fazer isto, estou comprometido em caminhar junto com os outros, compartilhando com eles ideias e habilidades, com mente aberta e coração generoso? E finalmente: sei como cultivar um estilo de vida sóbrio e atento às necessidades dos irmãos?

"Que Maria, Rainha dos Apóstolos, nos ajude a ser verdadeiros discípulos missionários, em comunhão e sobriedade de vida", concluiu Francisco, concedendo a todos a sua bênção apostólica.

Vatican News

domingo, 7 de julho de 2024

O Papa em Trieste: precisamos de uma fé que dispersa os cálculos do egoísmo humano

 
 
Na sua homilia, proferida na missa celebrada na Piazza Unità d'Italia, em Trieste, Francisco disse que "precisamos do escândalo da fé, de uma fé arraigada no Deus que se fez homem e, portanto, de uma fé humana, de uma fé de carne, que entra na história, que acaricia a vida das pessoas, que cura os corações partidos, que se torna fermento de esperança e germe de um mundo novo". 
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco presidiu a missa, neste domingo (07/07), na Piazza Unità d'Italia, no âmbito da sua visita pastoral a Trieste para a conclusão da 50ª Semana Social dos Católicos em Itália.

"Para despertar a esperança dos corações aflitos e apoiar os esforços do caminho, Deus suscitou sempre profetas entre o seu povo", disse o Pontífice no início da sua homilia. Muitas vezes os profetas encontraram um povo rebelde e foram rejeitados, mas Jesus também tem a mesma experiência dos profetas. "Retorna a Nazaré, a sua pátria e entre as pessoas com as quais cresceu, mas não é reconhecido". Ele «era motivo de escândalo para eles», conforme diz o Capítulo 6° do Evangelho de Marcos.

O Papa disse que "a palavra 'escândalo' não se refere a algo obsceno ou indecente como a usamos hoje; escândalo significa 'uma pedra de tropeço', ou seja, um obstáculo, um impedimento, algo que bloqueia e impede de ir adiante". As pessoas não conseguem entender "como do filho de José, o carpinteiro, ou seja, de uma pessoa comum, poderia surgir tanta sabedoria e até mesmo a capacidade de realizar prodígios. O escândalo, então, é a humanidade de Jesus. O obstáculo que impede estas pessoas de reconhecer a presença de Deus em Jesus é o facto de que Ele é humano, é simplesmente o filho de José, o carpinteiro".

"Este é o escândalo: uma fé fundada num Deus humano, que se inclina para a humanidade, que cuida dela, que se comove com as nossas feridas, que toma sobre si o nosso cansaço, que se parte como pão para nós", sublinhou o Papa, acrescentando que "um Deus forte e poderoso, que está do meu lado e satisfaz-me em tudo, é atraente; um Deus fraco, que morre na cruz por amor e também me pede para vencer todo o egoísmo e oferecer a vida pela salvação do mundo, é um Deus incómodo".

Mas, colocando-nos diante do Senhor Jesus e olhando para os desafios que nos interpelam, para os muitos problemas sociais e políticos também discutidos nesta Semana Social, para a vida concreta da nossa gente e dos seus esforços, podemos dizer que hoje precisamos exatamente disto: do escândalo da fé. Não de uma religiosidade fechada em si mesma, que ergue o olhar para o céu sem se preocupar com o que acontece na terra e celebra liturgias no templo esquecendo-se da poeira que corre pelas nossas estradas.

"Precisamos do escândalo da fé", disse ainda Francisco, "de uma fé arraigada no Deus que se fez homem e, portanto, de uma fé humana, de uma fé de carne, que entra na história, que acaricia a vida das pessoas, que cura os corações partidos, que se torna fermento de esperança e germe de um mundo novo".

É uma fé que desperta as consciências do torpor, que põe o dedo nas feridas da sociedade, que levanta questões sobre o futuro do homem e da história; é uma fé inquieta, uma fé que se move de coração a coração, uma fé que acolhe os problemas da sociedade, uma fé que nos ajuda a vencer a mediocridade e a acídia do coração, que se torna um espinho na carne de uma sociedade muitas vezes anestesiada e atordoada pelo consumismo.

A este propósito, o Papa perguntou: "Já pensaram se o consumismo entrou nos vossos corações? Aquela ânsia de ter, de ter coisas e ter mais. Aquela ânsia de desperdiçar dinheiro. O consumismo é uma chaga. É um cancro que adoece o coração, que torna a pessoa egoísta, que faz a pessoa olhar apenas para si mesma".

Irmãos e irmãs, precisamos de uma fé que dispersa os cálculos do egoísmo humano, que denuncia o mal, que aponta o dedo contra as injustiças, que perturba as tramas de quem, na sombra do poder, brinca com a pele dos fracos. E quantos usam a fé para explorar as pessoas. Isto não é fé.

A seguir, o Papa disse que não nos devemos esquecer de que "Deus esconde-se nos cantos escuros da vida e das nossas cidades. A sua presença revela-se precisamente nos rostos escavados pelo sofrimento e onde a degradação parece triunfar".

O infinito de Deus está escondido na miséria humana, o Senhor agita-se e torna-se presença amiga precisamente na carne ferida dos últimos, dos esquecidos e dos descartados. Ali, Deus manifesta-se. E nós, que às vezes escandalizamo-nos inutilmente com muitas pequenas coisas, faríamos bem em nos quesytionar: por que não nos escandalizamos diante do mal que se espalha, da vida humilhada, dos problemas do trabalho, do sofrimento dos migrantes? Por que permanecemos apáticos e indiferentes diante das injustiças do mundo? Por que não levamos a sério a situação dos encarcerados, que também desta cidade de Trieste se eleva como um grito de angústia? Por que não contemplamos a miséria, a dor, o descarte de tantas pessoas da cidade? Temos medo. Temos medo de encontrar Cristo ali.

"Jesus viveu na sua própria carne a profecia do quotidiano, entrando na vida e nas histórias diárias do povo, manifestando a compaixão nas vicissitudes humanas. Ele manifestou o ser de Deus que é compassivo. Ele permaneceu fiel à sua missão, não se escondeu atrás da ambiguidade, não aceitou a lógica do poder político e religioso. Fez da sua vida uma oferta de amor ao Pai. Assim também nós, cristãos: somos chamados a ser profetas e testemunhas do Reino de Deus, em todas as situações que vivemos, em todos os lugares em que vivemos", disse ainda o Papa.

Desta cidade de Trieste, com vista para a Europa, encruzilhada de povos e culturas, terra de fronteira, alimentemos o sonho de uma nova civilização fundada na paz e na fraternidade; não nos escandalizemos com Jesus, mas, pelo contrário, indignemo-nos com todas aquelas situações em que a vida é brutalizada, ferida e morta; levemos a profecia do Evangelho na nossa carne, com as nossas escolhas antes mesmo das palavras. Com a coerência entre escolhas e palavras.

Francisco concluiu, incentivando a Igreja em Trieste a continuar "a trabalhar na linha de frente para difundir o Evangelho da esperança, especialmente para aqueles que chegam da rota dos Balcãs e para todos aqueles que, no corpo ou no espírito, precisam de ser encorajados e consolados. Empenhemo-nos juntos: para que, redescobrindo-nos amados pelo Pai, possamos todos viver como irmãos. Todos irmãos, com o sorriso do acolhimento e da paz na alma".

Vatican News

Papa: a esperança pode combater a indiferença, "cancro" da democracia

 

Na cidade italiana de Trieste, Francisco encerrou a Semana Social dos Católicos Italianos. O tema do evento - e do discurso do Santo Padre - foi a democracia, em que o Pontífice apontou fraquezas do sistema e exortou a Igreja a “envolver-se na esperança, porque sem esta administra-se o presente, mas não se constrói o futuro”.

Bianca Fraccalvieri - Vatican News

Poucas, mas intensas horas vividas pelo Papa Francisco na cidade de Trieste, nordeste de Itália, para onde partiu na manhã deste domingo, 7 de julho, para o encerramento da 50ª Semana Social dos Católicos Italianos

O tema do discurso do Pontífice foi o mesmo debatido pelos cerca de 1200 participantes, ou seja, a democracia. O Papa fez um “check-up” do estado de saúde desta forma de governação e o resultado “evidente é que no mundo de hoje a democracia não goza de boa saúde”. 

“Isto interessa e nos preocupa-nos, afirmou Francisco, porque está em jogo o bem do homem, e nada daquilo que é humano pode deixar-nos indiferentes.” O Papa inspirou-se no tema da Semana Social "No coração da democracia. Participar entre História e Futuro" para fazer a sua análise e propor a “terapia”.

Podemos imaginar a crise da democracia como um coração ferido, afirmou, "infartado". “Toda vez que alguém é marginalizado, todo o corpo social sofre”, acrescentou. A cultura do descarte traça uma cidade onde não há lugar para os pobres, os nascituros, as pessoas frágeis, os doentes, as crianças, as mulheres, os jovens. 

A própria palavra “democracia” não coincide simplesmente com o voto do povo, mas exige que se criem as condições para que todos possam expressar-se e participar. E a participação não se pode improvisar: aprende-se desde criança, adolescente, e deve ser “treinada”, também no sentido crítico perante as tentações ideológicas e populistas. Nesta perspetiva, o cristianismo pode contribuir, promovendo um diálogo fecundo com a comunidade civil e com as instituições políticas. Só assim será possível libertar-se das “escórias da ideologia”, refletindo de modo comunitário especialmente sobre os temas relacionados à vida humana e à dignidade da pessoa. 

Para tal finalidade, permanecem fecundos os princípios de solidariedade e de subsidiariedade, reafirmou o Papa. A democracia requer sempre a passagem do "militar" ao participar, do “torcer” ao dialogar. “Todos devem sentir-se parte de um projeto de comunidade; ninguém deve sentir-se inútil. Algumas formas de assistencialismo que não reconhecem a dignidade das pessoas são hipocrisia social. E a indiferença é um cancro da democracia”, denunciou o Pontífice.

Como terapia, Francisco aposta na participação, para que a democracia se assemelhe a um coração curado. E para isto é preciso exercitar a criatividade. A fraternidade faz florescer as relações sociais; e, por outro lado, o cuidar um dos outros requer a coragem de pensar como povo. Uma democracia com o coração curado continua a cultivar sonhos para o futuro, coloca em jogo, chama à participação pessoal e comunitária.

Como católicos, incentivou o Papa, é preciso ter a coragem de fazer propostas de justiça e de paz no debate público. Temos algo a dizer, mas não para defender privilégios. Devemos ser voz que denuncia, propositiva numa sociedade muitas vezes áfona e onde demasiados não têm voz. Este é o amor político, que não se contenta em cuidar dos efeitos, mas procura enfrentar as causas. É uma forma de caridade que permite à política estar à altura das suas responsabilidades e de sair das polarizações, que empobrecem e não ajudam a entender e enfrentar os desafios. 

“Formemo-nos a este amor, para colocá-lo em circulação num mundo que carece de paixão civil. Aprendamos sempre mais e melhor a caminhar juntos como povo de Deus, para ser fermento de participação no meio do povo do qual fazemos parte.”

Citando o famoso político católico italiano Giorgio La Pira, Francisco pediu que não falte ao laicato esta capacidade de “organizar a esperança”:

“Por que não relançar, apoiar e multiplicar os esforços para uma formação social e política que parta dos jovens? Por que não compartilhar a riqueza do ensinamento social da Igreja?” 

Se o processo sinodal nos treinou no discernimento comunitário, o horizonte do Jubileu quer-nos ativos, peregrinos da esperança, pois este é o papel da Igreja: “Envolver na esperança, porque sem esta administra-se o presente, mas não se constrói o futuro”.

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