domingo, 26 de junho de 2022

Papa: perseverar no bem, mesmo diante das contrariedades

 
 
"Às vezes pensamos que o nosso fervor deve-se ao senso de justiça por uma boa causa, mas na realidade na maioria das vezes não passa de orgulho, aliado à fraqueza, suscetibilidade e impaciência. Peçamos então a Jesus a força de ser como Ele, de segui-lo com firme decisão. De não ser vingativos e intolerantes quando surgem dificuldades, quando nos gastamos a fazer o bem e os outros não entendem."
 

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Com a ajuda da Virgem Maria, tomar a firme decisão de Jesus de permanecer no amor até ao fim, de não sermos vingativos e intolerantes quando surgem dificuldades.

Este foi o pedido do Papa Francisco antes de rezar o Angelus neste XIII Domingo do Tempo Comum, dirigido aos milhares de fiéis e turistas provenientes de várias partes do mundo, reunidos na Praça de S. Pedro sob forte calor. para o tradicional encontro dominical.

A inspirar a sua reflexão, a passagem do Evangelho do dia onde Lucas fala da decisão de Jesus de partir para Jerusalém, naquela que seria a sua última viagem. Motivo pelo qual, era necessária uma decisão firme, determinada.

Como discípulos, seguir Jesus com decisão

Ao contrário do que pensam os discípulos, “cheios de entusiasmo ainda demasiado mundano”, Jesus sabe que é rejeição e morte que o esperam em Jerusalém”:

Ele sabe que terá que sofrer muito; e isso requer uma firme decisão. É a mesma que devemos tomar também nós, se quisermos ser discípulos de Jesus. Porque devemos ser discípulos de Jesus com seriedade, com decisão verdadeira, não como dizia uma idosa que conheci: "cristãos em água de rosas". Não, não, não! Cristãos decididos Em que consiste esta decisão?

E é precisamente o episódio que o evangelista Lucas narra logo em seguida, que nos ajuda a compreender isso.

Amor misericordioso cresce com a paciência, constância e espírito penitencial

De facto, um povoado de samaritanos não acolheu Jesus, pois soube que ele se dirigia a Jerusalém, uma cidade adversária. Os apóstolos Tiago e João ficam indignados e sugerem que Jesus castigue aquelas pessoas fazendo descer fogo do céu:

Jesus não só não aceita a proposta, como repreende os dois irmãos. Eles querem envolvê-lo no seu desejo de vingança e ele não está de acordo. O "fogo" que ele veio trazer à terra é o amor misericordioso do Pai. E para fazer crescer esse fogo é preciso paciência, é preciso constância, é preciso espírito penitencial.

Ou seja, diante daquela situação, os dois apóstolos reagem com ira:

E isso acontece também connosco quando, fazendo o bem, talvez com sacrifício, em vez de acolhimento encontramos uma porta fechada. Então vem a raiva: tentamos até mesmo envolver o próprio Deus, ameaçando com castigos celestiais.

Determinação de seguir em frente, por outro caminho, revela força interior

Já a reação de Jesus, é bem diferente:

Jesus, ao contrário, segue outro caminho, não o caminho da raiva, mas aquele da firme decisão de seguir em frente, que, longe de se traduzir em dureza, implica calma, paciência, longanimidade, sem, no entanto, afrouxar minimamente o compromisso de fazer o bem. Este modo de ser não denota fraqueza, mas, ao contrário, uma grande força interior.

“Ficar com raiva na contrariedade é fácil, é instintivo”, recorda o Papa. O que é difícil, é conseguir controlar as reações instintivas e fazer como Jesus, que partiu "a caminho de outro povoado":

Isto significa que, quando encontramos fechamentos, devemo-nos voltar para fazer o bem noutro lugar, sem recriminações. Assim Jesus ajuda-nos a ser pessoas serenas, felizes com o bem realizado e que não procuram as aprovações humanas.

Servir no silêncio

“E nós, em que ponto estamos?”, pergunta Francisco:

“Diante das contrariedades, das incompreensões, dirigimo-nos ao Senhor, pedimos a Ele a sua firmeza ao fazer o bem? Ou procuramos confirmação nos aplausos, acabando por ser ásperos e rancorosos quando não os ouvimos? Quantas vezes, consciente ou inconscientemente, procuramos os aplausos, a aprovação dos outros? E nós, fazemos [o bem] pelos aplausos? Não, isto não está certo. Devemos fazer o bem pelo serviço e não procurar os aplausos":

Às vezes - acrescentou o Papa - pensamos que o nosso fervor deve-se ao senso de justiça por uma boa causa, "mas na realidade na maioria das vezes não passa de orgulho, aliado à fraqueza, suscetibilidade e impaciência":

Peçamos então a Jesus a força de ser como Ele, de segui-lo com firme decisão neste caminho de serviço. De não ser vingativos, de não ser intolerantes quando surgem dificuldades, quando nos gastamos pelo bem e os outros não entendem isso, antes ainda, quando nos desqualificam. Não: silêncio e em frente.

Que a Virgem Maria nos ajude a tomar a firme decisão de Jesus de permanecer no amor até o fim.

Vatican News

sábado, 25 de junho de 2022

Papa: família, primeiro lugar onde se aprende a amar

 

 Santa Missa com as famílias 

 
"Justamente enquanto afirmamos a beleza da família, sentimos mais do que nunca que devemos defendê-la. Não deixemos que seja poluída pelos venenos do egoísmo, do individualismo, da cultura da indiferença e do descarte, perdendo assim o seu DNA que é o acolhimento e o espírito de serviço."

Vatican News

Na tarde deste sábado, 25 de junho, o Papa Francisco voltou a encontrar as famílias, na Missa de encerramento do seu X Encontro Mundial, celebrada na Praça de S. Pedro e presidida pelo prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, cardeal Kevin Farrel. Após passar de papamóvel entre os presentes, Francisco dirigiu-se ao adro da Basílica, sentando à direita do Altar. A homilia, no entanto, foi lida pelo Santo Padre:

"No âmbito do X Encontro Mundial das Famílias, este é o momento da ação de graças. Hoje trazemos, com gratidão, à presença de Deus – como num grande ofertório – tudo o que o Espírito Santo semeou em vós, queridas famílias. Algumas de vós participaram nos momentos de reflexão e partilha aqui no Vaticano; outras animaram e viveram os mesmos momentos nas respetivas dioceses, formando uma espécie de imensa constelação. Imagino a riqueza de experiências, propósitos, sonhos, como não mancaram também as preocupações e as incertezas. Agora apresentamos tudo ao Senhor e pedimos-Lhe que vos sustente com a sua força e o seu amor. Sois pais, mães, filhos, avós, tios; sois adultos, crianças, jovens, idosos; cada qual com uma experiência diversa de família, mas todos com a mesma esperança feita oração: Que Deus abençoe e guarde as vossas famílias e todas as famílias do mundo.

Na segunda Leitura, São Paulo falou-nos de liberdade. A liberdade é um dos bens mais apreciados e procurados pelo homem moderno e contemporâneo. Todos desejam ser livres, não sofrer condicionamentos, nem ver-se limitados; por isso aspiram a libertar-se de qualquer tipo de «prisão»: cultural, social, económica. E, no entanto, quantas pessoas carecem da liberdade maior: a liberdade interior! O Apóstolo lembra-nos, a nós cristãos, que esta é primariamente um dom, quando exclama: «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gal 5, 1). A liberdade foi-nos dada. Nascemos, todos, com muitos condicionamentos, interiores e exteriores, e sobretudo com a tendência para o egoísmo, isto é, para nos colocarmos a nós mesmos no centro e privilegiar os nossos interesses. Mas, desta escravidão, libertou-nos Cristo. Para evitar equívocos, S. Paulo adverte-nos que a liberdade dada por Deus não é a liberdade falsa e vazia do mundo que, na realidade, é «uma ocasião para os [nossos] apetites carnais» (Gal 5, 13). Essa, não! A liberdade, que Cristo nos conquistou com o preço do seu Sangue, está inteiramente orientada para o amor, a fim de que – como dizia, e nos diz hoje a nós, o Apóstolo –, «pelo amor, [façamo-nos] servos uns dos outros» (Gal 5, 13).

Todos vós, esposos, ao formar a vossa família, com a graça de Cristo fizestes esta corajosa opção: não usar a vossa liberdade para proveito próprio, mas para amar as pessoas que Deus colocou junto de vós. Em vez de viver como «ilhas», fizestes-vos «servos uns dos outros». Assim se vive a liberdade em família! Não há «planetas» ou «satélites», movendo-se cada qual na sua própria órbita. A família é o lugar do encontro, da partilha, da saída de si mesmo para acolher o outro e estar junto dele. É o primeiro lugar onde se aprende a amar.

Irmãos e irmãs, ao mesmo tempo que reafirmamos com grande convicção tudo isto, bem sabemos que na realidade dos factos não é sempre assim, por muitos motivos e pelas mais variadas situações. Por isso, justamente enquanto afirmamos a beleza da família, sentimos mais do que nunca que devemos defendê-la. Não deixemos que seja poluída pelos venenos do egoísmo, do individualismo, da cultura da indiferença e do descarte, perdendo assim o seu DNA que é o acolhimento e o espírito de serviço.

A relação entre os profetas Elias e Eliseu, apresentada na primeira Leitura, faz-nos pensar na relação entre as gerações, na «passagem do testemunho» entre pais e filhos. No mundo atual, esta relação não é simples, revelando-se muitas vezes motivo de preocupação. Os pais temem que os filhos não consigam orientar-se no meio da complexidade e confusão das nossas sociedades, onde tudo parece caótico e precário, acabando por extraviar-se da sua estrada. Este medo torna alguns pais ansiosos; outros, superprotetores. E por vezes acaba até por bloquear o desejo de trazer novas vidas ao mundo.

Faz-nos bem refletir sobre a relação entre Elias e Eliseu. Elias, num momento de crise e medo face ao futuro, recebe de Deus a ordem de ungir Eliseu como seu sucessor. Deus faz compreender a Elias que o mundo não termina com ele, e manda-lhe transmitir a outro a sua missão. Tal é o significado deste gesto descrito no texto: Elias lança o seu manto sobre os ombros de Eliseu e, a partir daquele momento, o discípulo tomará o lugar do mestre para continuar o seu ministério profético em Israel. Deus mostra, assim, que tem confiança no jovem Eliseu.

Como é importante, para os pais, contemplar o modo de agir de Deus! Deus ama os jovens, mas isto não significa que os preserve de todo o risco, desafio e sofrimento. Não é ansioso, nem superprotetor; pelo contrário, tem confiança neles e chama cada um à medida alta da vida e da missão. Pensemos no pequeno Samuel, no adolescente David, no jovem Jeremias; pensemos sobretudo na Virgem Maria. Queridos pais, a Palavra de Deus mostra-nos o caminho: não é preservar os filhos do mínimo incómodo e sofrimento, mas procurar transmitir-lhes a paixão pela vida, acender neles o desejo de encontrar a sua vocação e abraçar a missão grande que Deus pensou para eles. É precisamente esta descoberta que torna Eliseu corajoso, determinado, que o torna adulto. O afastamento dos pais e a morte dos bois são o sinal concreto de que Eliseu compreendeu que agora «é a vez dele», que é hora de acolher a vocação de Deus e levar por diante aquilo que viu o seu mestre fazer. E fá-lo-á com coragem até ao fim da sua vida. Queridos pais, se ajudardes os filhos a descobrirem e acolherem a sua vocação, vereis que serão «fascinados» por esta missão e terão força para enfrentar e superar as dificuldades da vida.

Quero ainda acrescentar que a melhor maneira de um educador ajudar a outrem a seguir a sua vocação é abraçar com um amor fiel a própria. Foi o que os discípulos viram Jesus fazer; e o Evangelho de hoje mostra-nos um momento emblemático disso mesmo, quando Jesus «Se dirigiu resolutamente para Jerusalém» (Lc 9, 51), sabendo bem que lá seria condenado e morto. E, no caminho para Jerusalém, Ele vê-Se repelido pelos habitantes da Samaria; uma rejeição, que suscita a reação indignada de Tiago e João, mas que Jesus aceita pois faz parte da sua vocação: ao princípio, fora rejeitado em Nazaré, agora, na Samaria e, no fim, será rejeitado em Jerusalém. Jesus aceita tudo isto, porque veio para tomar sobre Si os nossos pecados. De igual modo, não há nada mais animador para os filhos do que ver os seus pais viverem o casamento e a família como uma missão, com fidelidade e paciência, apesar das dificuldades, horas tristes e provações. E, o que sucedeu com Jesus na Samaria, acontece em toda a vocação cristã, incluindo a vocação familiar. Há momentos em que é preciso assumir as resistências, os fechamentos, as incompreensões que provêm do coração humano e, com a graça de Cristo, transformá-los em acolhimento do outro, em amor gratuito.

Imediatamente depois deste episódio que, de certo modo, descreve-nos a «vocação de Jesus», o Evangelho apresenta-nos outros três chamamentos, três vocações de igual número de aspirantes a discípulos de Jesus. O primeiro é convidado a não procurar, no seguimento do Mestre, uma morada estável, uma acomodação segura. Com efeito Ele «não tem onde reclinar a cabeça» (Lc 9, 58). Seguir Jesus significa pôr-mo-nos  em movimento e estar sempre em movimento, «em viagem» com Ele através das vicissitudes da vida. Como tudo isto é verdade para vós, casados! Também vós, ao acolher a vocação para o matrimónio e a família, deixastes o vosso «ninho» e começastes uma viagem, da qual não podíeis conhecer de antemão todas as etapas, e que vos mantém em constante movimento, com situações sempre novas, factos inesperados, surpresas. Assim é o caminho com o Senhor: dinâmico, imprevisível mas sempre uma maravilhosa descoberta! Lembremo-nos de que o repouso de cada discípulo de Jesus encontra-se justamente em fazer cada dia a vontade de Deus, seja ela qual for.

O segundo discípulo é convidado a não voltar atrás porque queria, «primeiro, sepultar o pai» (cf. Lc 9, 59-60). Não se trata de faltar ao quarto mandamento, que permanece sempre válido; mas é um convite a obedecer, antes de tudo, ao primeiro mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas. O mesmo se verifica com o terceiro discípulo, chamado a seguir Cristo resolutamente e de todo o coração, sem «olhar para trás», nem mesmo para se despedir dos seus familiares (cf. Lc 9, 61-62).

Queridas famílias, também vós sois convidadas a não ter outras prioridades, a «não olhar para trás», isto é, a não vos lamentardes repassando a vida de outrora, a liberdade de antes com as vossas ilusões enganadoras: a vida fossiliza-se quando não acolhe a novidade do chamamento de Deus, chorando pela falta do passado. Quando Jesus chama, nomeadamente ao matrimónio e à família, pede para olharmos em frente, e precede-nos sempre no caminho, precede-nos sempre  no amor e no serviço. Quem O segue, não fica dececionado!

Queridos irmãos e irmãs, providencialmente as Leituras que a liturgia de hoje nos propõe, falam todas da vocação, que é precisamente o tema deste X Encontro Mundial das Famílias: «O amor familiar: vocação e caminho de santidade». Com a força desta Palavra de vida, animo-vos a retomar resolutamente o caminho do amor familiar, partilhando com todos os membros da família a alegria desta vocação. O amor que viveis entre vós seja sempre aberto, comunicativo, capaz de «tocar com a mão» os mais frágeis e os feridos que encontrardes pelo caminho: frágeis no corpo e frágeis na alma. De facto é quando se dá que o amor, incluindo o amor familiar, se purifica e fortalece.

A Igreja está convosco; antes, a Igreja está em vós! Com efeito, a Igreja nasceu de uma família, a família de Nazaré, e é composta principalmente por famílias. Que o Senhor vos ajude cada dia a permanecer na unidade, na paz e na alegria, mostrando a todos que Deus é amor e comunhão de vida."

Vatican News

quarta-feira, 22 de junho de 2022

O Papa: testemunhar Cristo até mesmo na fragilidade da velhice

 
  O Papa Francisco durante a Audiência Geral  (Vatican Media)  
 
Francisco disse na Audiência Geral que "a vida do idoso é lenta, lenta, mas é uma despedida alegre: vivi a vida, conservei a minha fé. É bonito quando um idoso pode dizer: "Eu vivi a vida, esta é a minha família. Eu vivi a vida, fui um pecador, mas também fiz o bem". É essa paz que vem, esta é a despedida do idoso".
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

Na catequese sobre a velhice, na Audiência Geral desta quarta-feira (22/06), realizada na Praça de S. Pedro, o Papa Francisco meditou sobre o diálogo entre Jesus ressuscitado e Pedro, na conclusão do Evangelho de João. "É um diálogo comovente, do qual transparece todo o amor de Jesus pelos seus discípulos e também a sublime humanidade da sua relação com eles, em particular com Pedro: uma relação terna, mas não insípida, direta, forte, livre e aberta. Uma relação de homens na verdade." 

"Durante o debate de Jesus com Pedro, encontramos duas passagens que tratam da velhice e da duração do tempo: o tempo do testemunho, o tempo da vida. A primeira passagem é a advertência de Jesus a Pedro: quando eras jovem, eras autossuficiente, quando ficares velho já não serás tão senhor de ti mesmo e da tua vida", disse o Papa, sublinhando que agora está a andar de "cadeira de rodas"! "Mas é assim, a vida é assim: com a velhice chegam todas estas doenças e nós temos que aceitá-las como elas vêm, certo? Não temos a força dos jovens! E até o teu testemunho, diz Jesus, será acompanhado por esta debilidade.

Deves ser testemunha de Jesus mesmo na fraqueza, na doença e na morte. Há uma bela passagem de Santo Inácio de Loyola que diz: "Assim como na vida, também na morte devemos dar testemunho de discípulos de Jesus." O fim da vida deve ser o fim da vida de discípulos: de discípulos de Jesus que nos fala sempre de acordo com a idade que temos.

O Evangelista acrescenta o seu comentário, explicando que Jesus aludia ao testemunho extremo, do martírio e da morte. Mas podemos compreender de modo mais genérico o sentido desta advertência: o teu seguimento deverá aprender a deixares-te instruir e plasmar pela tua fragilidade, pela tua impotência, pela tua dependência de outros, até para te vestir, para caminhar. Mas tu, «segue-me». "O seguimento de Jesus vai sempre adiante, com boa saúde, sem boa saúde, autossuficiente, sem autossuficiência física, mas o seguimento de Jesus é importante: seguir sempre Jesus, a pé, correndo, lentamente, na cadeira de rodas, mas segui-lo sempre", frisou o Papa, ressaltando que "gosta de falar com os idosos olhando-os nos olhos: eles têm aqueles olhos brilhantes, aqueles olhos que falam mais do que as palavras, o testemunho de uma vida. E isto é bonito, temos de conservá-lo até ao fim. Seguir Jesus assim, cheios de vida".

Segundo o Papa, "com a doença, com a velhice, a dependência aumenta e não somos mais autossuficientes como antes; isto aumenta e também a fé, amadurece ali. Jesus também está ali connosco, também ali jorra aquela riqueza da fé bem vivida durante a estrada da vida".

"Mas devemos perguntar-nos: dispomos de uma espiritualidade realmente capaz de interpretar a estação – já longa e generalizada - deste tempo da nossa fraqueza confiada a outros, mais do que ao poder da nossa autonomia? Como permanecer fiéis ao seguimento vivido, ao amor prometido, à justiça procurada no tempo da nossa capacidade de iniciativa, no tempo da fragilidade da dependência, da despedida, no tempo do abandono do protagonismo da nossa vida? Não é fácil afastarmo-nos do ser protagonista: não é fácil", sublinhou ainda Francisco.

Segundo o Pontífice, "a vida do idoso é lenta, lenta, mas é uma despedida alegre: vivi a vida, conservei a minha fé. É bonito quando um idoso pode dizer: "Eu vivi a vida, esta é a minha família. Eu vivi a vida, fui um pecador, mas também fiz o bem". É essa paz que vem, esta é a despedida do idoso".

O Papa convidou a olhar e ouvir os idosos, e "ajudá-los para que possam viver e expressar sua sabedoria de vida, que nos  possam dar o que eles têm de bonito e bom". Francisco disse aos idosos para olhar os jovens sempre com um sorriso: "Eles seguirão o caminho, continuarão o que nós semeamos, mesmo o que não semeamos porque não tivemos coragem ou oportunidade." Manter "sempre essa relação. Um idoso não pode ser feliz sem olhar para os jovens, e os jovens não podem seguir em frente na vida sem olhar para os idosos", concluiu.

Vatican News

domingo, 19 de junho de 2022

Angelus com o Papa: Só Jesus pode saciar a nossa fome de amor

 
 
Sob um sol de mais de 30 graus, milhares de fiéis rezaram o Angelus com o Papa. Na alocução, Francisco falou sobre a Eucaristia, inspirando-se na Solenidade de Corpus Christi celebrada neste domingo em alguns países. A Eucaristia não só nos alimenta, mas sacia-nos, disse ele, pois dá-nos aquele “a mais” que todos procuramos: a presença do Senhor!
 

Bianca Fraccalvieri - Vatican News

Diante de milhares de fiéis na Praça de São Pedro, o Papa Francisco falou sobre a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, celebrada hoje em Itália e noutros países. A Eucaristia, instituída na Última Ceia, foi como o ponto de chegada de um percurso, durante o qual Jesus a antecipou mediante alguns sinais, sobretudo a multiplicação dos pães.

Jesus cuida da multidão que o seguiu para ouvir a sua palavra e libertar-se de vários males. Abençoa cinco pães e dois peixes, parte-os, os discípulos distribuem e todos «saciaram-se». "Na Eucaristia, cada um pode experimentar esta amorosa e concreta atenção do Senhor. Quem recebe com fé o Corpo e o Sangue de Cristo não só come, mas sacia-se", explicou o Papa, detendo-se sobre estes dois aspecos: comer e saciar-se.

Comer e dar de comer

De acordo com a narração de Lucas, com o calar da noite, os discípulos aconselharam Jesus a despedir a multidão para que pudessem procurar comida. Mas o Mestre quis prover também a esta necessidade. O milagre dos pães e dos peixes não acontece, porém, de maneira espetacular, mas quase de maneira reservada, como nas bodas de Caná: o pão aumenta passando de mão em mão. E enquanto come, a multidão percebe que Jesus toma conta de tudo.

"Este é o Senhor presente na Eucaristia chama-nos a ser cidadãos do Céu, mas enquanto isso leva em consideração o caminho que devemos enfrentar aqui na terra. Se tenho pouco pão na bolsa, Ele sabe e preocupa-se."

Para Francisco, existe o risco de restringir a Eucaristia numa dimensão vaga, talvez luminosa e perfumada de incenso, mas distante dos becos da vida quotidiana. Mas na realidade, o Senhor toma a peito todas as nossas necessidades, a partir daquelas mais elementares. E quer dar o exemplo aos discípulos, dizendo: «Dai-lhes vós de comer».

"A nossa adoração eucarística tem a sua comprovação quando cuidamos do próximo, como faz Jesus: em nosso redor há fome de alimento, mas também de companhia, de consolação, de amizade, de bom humor, de atenção, a nossa fome de evangelização. Isto encontramos no Pão eucarístico: a atenção de Cristo às nossas necessidades, e o convite a fazer o mesmo com quem está ao nosso lado. É preciso comer e dar de comer."

Só a presença do Senhor nos sacia

Além de comer, porém, não deve faltar o estar saciados. A multidão saciou-sr com a abundância de alimento, e também com a alegria e a maravilha de tê-lo recebido de Jesus.

Certamente precisamos de nos alimentar, acrescentou o Pontífice, mas também de nos saciar, ou seja, de saber que a nutrição nos é dada por amor.

"No Corpo e no Sangue de Cristo, encontramos a sua presença, a sua vida doada por cada um de nós. Não só nos dá a ajuda para ir adiante, mas dá-nos a si mesmo: torna-se o nosso companheiro de viagem, entra nas nossas vicissitudes, visita as nossas solidões, dando novamente sentido e entusiasmo. Isto sacia-nos, isto dá-nos aquele “a mais” que todos procuramos: a presença do Senhor!"

Porque no calor da sua presença, a nossa vida muda: sem Ele, seria realmente cinza. Adorando o Corpo e o Sangue de Cristo, peçamos-Lhe com o coração: “Senhor, dai-me o pão quotidiano para ir adiante e saciai-me com a vossa presença!”.

"Que a Virgem Maria nos ensine a adorar Jesus vivo na Eucaristia e a compartilhá-Lo com os nossos irmãos e irmãs", foi a invocação final de Francisco.

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quinta-feira, 16 de junho de 2022

Francisco: a Eucaristia convida-nos a levar Deus para a vida quotidiana

 
  O Papa Francisco entre os fiéis na Praça de S. Pedro, durante a Audiência Geral  (Vatican Media)  
 
Nas saudações aos fiéis reunidos na Praça de S. Pedro para a Audiência Geral, o Papa lembrou que nesta quinta-feira, no Vaticano, será celebrada a Solenidade de Corpus Christi e exortou a pedir a Deus a capacidade de nos doarmos aos outros, servindo com alegria especialmente os que mais precisam.
 

Tiziana Campisi – Vatican News

Após a catequese da Audiência Geral, ao saudar os peregrinos presentes na Praça de  S. Pedro, Francisco falou sobre a Solenidade de Corpus Christi, celebrada nesta quinta-feira (16/06), no Vaticano.

Na Basílica de S. Pedro, no Altar da Cátedra, às 10h30 locais, o arcipreste da Basílica e vigário geral do Papa para a Cidade do Vaticano, cardeal Mauro Gambetti, presidirá a solene celebração litúrgica do Corpo e Sangue de Cristo.

"A Solenidade de Corpus Christi convida-nos a sair e levar o Senhor para a vida quotidiana: levá-lo onde a vida se desenvolve com todas as suas alegrias e sofrimentos", disse o Papa na saudação aos fiéis de língua alemã.

Na saudação aos peregrinos de língua espanhola, Francisco acrescentou o convite a pedir a Deus "para que nos conceda ser pessoas "eucarísticas", "gratas pelos dons recebidos" e capazes de se doar aos outros "servindo com alegria, especialmente os que mais precisam".

Experimentar o amor de Deus graças ao Corpo e Sangue de Cristo

Na saudação aos peregrinos polacos, o Papa explicou que a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo "recorda-nos a presença real de Deus na Eucaristia na forma de pão e vinho".

Que os concertos de evangelização que se realizam em seu país nesta festa, despertem a fé em todos, para que recebendo o Corpo e o Sangue de Cristo, se possa experimentar o seu amor cada vez mais profundamente. Eu vos abençoo de coração.

Por fim, Francisco lembrou que em Itália a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo será celebrada no domingo e concluiu: "Que a Eucaristia, mistério do amor, seja para todos vós fonte de graça e de luz que ilumina os caminhos da vida, sustento nas dificuldades, e conforto sublime no sofrimento de cada dia."

Vatican News

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Francisco: não nos esqueçamos do povo atormentado da Ucrânia em guerra

 
  Papa Francisco  (Vatican Media)  
 
O Papa no final da audiência geral desta quarta-feira retornou a falar sobre a guerra no leste europeu e pediu para não a considerar "uma coisa distante", mas o tormento de uma nação à qual devemos estar próximos com ajuda e orações. 
 

Silvonei José – Vatican News

A recordação desvanece-se, a dor corre o risco de esfriar-se. O Papa Francisco usa esta expressão para descrever a condição que a população ucraniana vem experimentando há quase quatro meses. Ele  fê-lo no final da audiência geral desta quarta-feira, no decorrer das saudações aos peregrinos de língua italiana. Do Papa, mais uma vez, o convite para não esquecermos o drama da guerra:

Por favor, não esqueçamos o povo atormentado da Ucrânia em guerra. Não nos acostumemos a viver como se a guerra fosse uma coisa distante. A nossa recordação, o nosso afeto, a nossa oração e a nossa ajuda vão sempre para este povo que tanto sofre e que está a levar avante um verdadeiro martírio.

Não nos acostumarmos à guerra

Não nos acostumemos com a realidade da guerra. Um conceito, este, que o Papa reiterou várias vezes desde o início do conflito, destacando, por exemplo, a importância da ajuda humanitária que - disse ele em março passado - não deve ser interrompida. Também no domingo passado, Francisco, nas saudações que se seguiram à oração do Angelus, voltou o seu pensamento para o conflito na Ucrânia, invocando orações por essas populações e exortando os fiéis a não se esquecerem do que está a acontecer:

Sempre vivo no meu coração é o pensamento sobre o povo da Ucrânia, afligido pela guerra. O tempo que passa não arrefeça a nossa dor e a nossa preocupação com aquelas pessoas atormentadas. Por favor, não nos acostumemos a esta trágica realidade! Tenhamo-la sempre nos nossos corações. Rezemos e lutemos pela paz.

Vatican News

O Papa na Audiência Geral: os idosos têm a sabedoria da vida

 
 
Segundo Francisco, "o diálogo entre jovens, crianças e avós é fundamental, é fundamental para a sociedade, é fundamental para a Igreja, é fundamental para a saúde da vida. Onde não há diálogo entre jovens e idosos, falta alguma coisa e cresce uma geração sem passado, ou seja, sem raízes".
 

Mariangela Jaguraba - Vatican News

"O serviço alegre da fé que se aprende com gratidão" foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral, desta quarta-feira (15/06), realizada na Praça de S. Pedro.

Dando continuidade ao tema da velhice, Francisco recordou o episódio da cura da sogra de Simão, que ainda não é chamado Pedro, na versão do Evangelho de Marcos. "A sogra de Simão estava na cama com febre", escreve Marcos. "Não sabemos se foi uma doença leve, mas na velhice até mesmo uma simples febre pode ser perigosa. Quando se é velho, não se controla mais o corpo. É preciso aprender a escolher o que fazer e o que não fazer. O vigor do corpo falha e nos abandona, ainda que o nosso coração não pare de desejar. É preciso então aprender a purificar o desejo: ser paciente, escolher o que pedir ao corpo, à vida."

Ouvir o corpo e aceitar os limites

Quando envelhecemos não podemos fazer o mesmo que fazíamos quando éramos jovens: o corpo tem outro ritmo, e devemos ouvir o corpo e aceitar os limites. Todos nós temos, não é? Eu também tenho que caminhar com uma bengala agora, certo? A doença pesa sobre os idosos de uma maneira diferente e nova em relação a quando se é jovem ou adulto. É como um golpe duro que atinge num momento já difícil.

Segundo Francisco, "a comunidade cristã deve tomar conta dos idosos: parentes, amigos e da comunidade. A visita aos idosos deve ser feita por muitos, juntos e com frequência. Especialmente hoje em dia, o número de idosos cresceu consideravelmente, também em proporção aos jovens, porque este inverno demográfico não faz filhos. E há muito mais idosos e poucos jovens. Devemos sentir a responsabilidade de visitar os idosos que muitas vezes estão sozinhos e apresentá-los ao Senhor com as nossas orações. A vida é preciosa".

 

 

 

Os idosos têm muito para nos ensinar

A seguir, o Papa retomou um tema repetido nas catequeses: "A cultura do desperdício parece cancelar os idosos. Sim, não os mata, mas apaga-os socialmente, como se fossem um fardo a ser carregado: é melhor escondê-los."

Isto é uma traição da própria humanidade, isto é a pior coisa, isto é selecionar a vida de acordo com a utilidade, de acordo com a juventude e não com a vida como ela é, com a sabedoria do idoso, com os limites dos idosos. Os idosos têm muito para nos dar: têm a sabedoria da vida. Tanto para nos ensinar. Por isso, devemos ensinar as crianças para que cuidem deles, para que procurem os seus avós. O diálogo entre jovens, crianças e avós é fundamental, é fundamental para a sociedade, é fundamental para a Igreja, é fundamental para a saúde da vida. Onde não há diálogo entre jovens e idosos, falta alguma coisa e cresce uma geração sem passado, ou seja, sem raízes.

Deixar os idosos aproximarem-se das crianças e dos jovens

A sogra de Pedro, antes que os Apóstolos entendessem, ao longo do caminho a sequela de Jesus, mostrou-lhes também o caminho. E a especial delicadeza de Jesus, que lhe "tocou na mão" e "inclinou-se delicadamente" sobre ela, deixou claro, desde o início, a sua especial sensibilidade para com os frágeis e os doentes, que o Filho de Deus certamente tinha aprendido com a sua Mãe.

Por favor, deixemos que os idosos, que os avós estejam próximos às crianças, aos jovens para transmitir-lhes a memória da vida, para transmitir-lhes a experiência de vida, a sabedoria da vida. Na medida em que fazemos com que jovens e idosos se encontram, nesta medida haverá mais esperança para o futuro de nossa sociedade.

Vatican News

terça-feira, 14 de junho de 2022

Papa: a guerra não pode ser reduzida a uma distinção entre bons e maus

A conversa divulgada nesta terça-feira (14) é da audiência de 19 de maio  (Vatican Media)
 
Publicamos uma grande parte da conversa de Francisco com os diretores das Revistas dos Jesuítas, recebidos em audiência no Vaticano em 19 de maio. A versão íntegral do encontro foi divulgada na edição desta terça-feira (14) da revista "La Civiltà Cattolica".
 

Vatican News

A Companhia está presente na Ucrânia. Estamos a viver uma guerra de agressão. Nós escrevemos sobre isto nas nossas revistas. Qual é o seu conselho para comunicar sobre a situação que estamos a viver? Como podemos contribuir para um futuro de paz?

Para responder a essa pergunta, temos que nos afastar do esquema normal de "Chapeuzinho Vermelho": a Chapeuzinho Vermelho era boa e o lobo era o mau. Aqui não há bons e maus metafísicos, de uma forma abstrata. Algo global está a surgir, com elementos que estão muito interligados entre eles. Alguns meses antes do início da guerra encontrei um chefe de Estado, um homem sábio, que fala pouco, muito sábio mesmo. E depois de falar sobre as coisas de que ele queria apresentar, disse-me que estava muito preocupado com a maneira como a NATO estava a mover-se. Perguntei-lhe porquê, e ele disse-me: "Estão a latir às portas da Rússia. E não entendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles". Ele concluiu: "A situação pode levar à guerra". Esta era a sua opinião. Em 24 de fevereiro, a guerra começou. Aquele chefe de Estado foi capaz de ler os sinais do que estava a acontecer.

Aquilo que estamos a ver é a brutalidade e a ferocidade com que esta guerra está a ser conduzida pelas tropas, geralmente mercenárias, utilizadas pelos russos. E os russos realmente preferem enviar chechenos, sírios, mercenários. Mas o perigo é que só vemos isto, o que é monstruoso, e não vemos todo o drama que está a desenrolar-se por trás desta guerra, que talvez tenha sido de alguma forma provocada ou não impedida. E registo o interesse em testar e vender armas. É muito triste, mas no final é isto que está em jogo.

Alguém pode dizer-me neste momento: mas o senhor está a favor do Putin! Não, não estou. Seria simplista e errado afirmar uma coisa do género. Sou simplesmente contrário a reduzir a complexidade à distinção entre os bons e os maus, sem raciocinar sobre as raízes e os interesses, que são muito complexos. Enquanto vemos a ferocidade, a crueldade das tropas russas, não devemos esquecer os problemas a fim de tentar resolvê-los. 

Também é verdade que os russos pensavam que tudo estaria terminado numa semana. Mas calcularam mal. Eles encontraram um povo corajoso, um povo que está a lutar para sobreviver e que tem uma história de luta.

Devo acrescentar também que o que agora está a acontecer na Ucrânia, vemo-lo desta forma porque está mais próximo de nós e toca mais na nossa sensibilidade. Mas há outros países distantes - pensemos em algumas partes de África, no norte da Nigéria, no norte do Congo - onde a guerra ainda está em curso e ninguém se importa. Pensem no Ruanda, há 25 anos atrás. Pensemos em Mianmar e nos Rohingya. O mundo está em guerra. Há alguns anos atrás ocorreu-me dizer que estamos a viver a terceira guerra mundial em pedaços e em bocados. Então, para mim, hoje, a Terceira Guerra com a humanidade que já teve três guerras mundiais num século? Eu vivo a Primeira Guerra na memória do meu avô no Piave. E depois a Segunda e agora a Terceira. 

E isto é mau para a humanidade, uma calamidade. É preciso pensar que num século houve três guerras mundiais, com todo o comércio de armas que tem por trás!

Há quatro anos atrás, apenas quatro anos atrás, houve a comemoração do 60º aniversário dos desembarques na Normandia. E muitos chefes de Estado e de governo comemoraram a vitória. Ninguém se lembrou das dezenas de milhares de jovens que morreram na praia naq-vos uma revelação pessoal -, chorei quando vi a idade dos soldados caídos. Quando, alguns anos depois, em 2 de novembro - em cada 2 de novembro visito um cemitério - fui a Anzio, lá também chorei quando vi a idade daqueles soldados caídos. No ano passado fui ao cemitério francês, e os túmulos dos jovens - cristãos ou islâmicos, porque os franceses também enviavam para lutar aqueles do norte da África - eram também jovens de 20, 22, 24 anos de idade. Quando fui para a Eslováquia, fiquei impressionado com o número de mulheres jovens e idosas. Faltava, porém,  os homens idosos. As avós estavam sozinhas. A guerra timha levado os seus maridos. 

Porque estou a contar-vos estas coisas? Porque gostaria que as vossas revistas abordassem o lado humano da guerra. Gostaria que as revistas mostrassem o drama humano da guerra. É muito bom fazer um cálculo geopolítico, estudar as coisas em profundidade. Vocês devem fazer isto, porque é o vosso trabalho. Mas também procurem transmitir o drama humano da guerra. O drama humano daqueles cemitérios, o drama humano das praias da Normandia ou de Anzio, o drama humano de uma mulher cuja à porta bate um carteiro e que recebe uma carta agradecendo-lhe por ter dado um filho à pátria, que é um herói da pátria... E assim ela fica sozinha. Refletir sobre isto ajudaria muito a humanidade e a Igreja. Façam as vossas reflexões sócio-políticas, mas não descuidem a reflexão humana sobre a guerra.

Vamos voltar à Ucrânia. Todos abrem os seus corações para os refugiados, para os exilados ucranianos, que geralmente são mulheres e crianças. Os homens ficaram para lutar. Na audiência da semana passada, duas mulheres de soldados ucranianos que estavam na siderúrgica Azovstal vieram pedir-me que intercedesse para que fossem salvos. Todos nós somos realmente sensíveis a estas situações dramáticas. São mulheres com filhos, cujos maridos estão a lutar lá. Mulheres jovens e bonitas. Mas eu pergunto-me: o que acontecerá quando o entusiasmo para ajudar passar? Porque as coisas estão a esfriar, quem cuidará dessas mulheres? Devemos olhar além da ação concreta do momento, e ver como vamos apoiá-las para que não caiam no tráfico, não sejam usadas, pois os abutres já estão a circular.  

A Ucrânia é perita em sofrer escravidão e guerras. É um país rico, que foi sempre cortado, dilacerado pela vontade daqueles que queriam tomar posse dele para explorá-lo. É como se a história tivesse predisposto a Ucrânia para ser um país heróico. Ver esse heroísmo toca os nossos corações. Um heroísmo que anda de mãos dadas com a ternura! De facto, quando chegaram os primeiros jovens soldados russos - depois enviaram mercenários -, enviados para fazer uma "operação militar", como diziam, sem saberem que iriam para a guerra, foram as próprias mulheres ucranianas que cuidaram deles quando se renderam. Grande humanidade, grande ternura. Mulheres corajosas. Pessoas corajosas. Um povo que não tem medo de lutar. Um povo trabalhador e, ao mesmo tempo, orgulhoso da sua terra. Tenhamos em mente a identidade ucraniana neste momento. Isto é o que nos comove: ver tal heroísmo. Gostaria realmente de enfatizar este ponto: o heroísmo do povo ucraniano. Aquela que está diante dos nossos olhos é uma situação de guerra mundial, de interesses globais, de venda de armas e de apropriação geopolítica, que está a martirizar um povo heróico. 

Gostaria de acrescentar um outro elemento. Tive uma conversa de 40 minutos com o Patriarca Kirill. Na primeira parte, ele leu-me uma declaração na qual dava os motivos para justificar a guerra. Quando terminou, eu intervim e disse-lhe: 'Irmão, nós não somos coroinhas de Estado, somos pastores do povo'. Eu deveria encontrá-lo no dia 14 de junho em Jerusalém, para falar sobre as nossas coisas. Mas com a guerra, de comum acordo, decidimos adiar a reunião para uma data posterior, para que o nosso diálogo não fosse mal entendido. Espero encontrá-lo por ocasião de uma assembleia geral no Cazaquistão, em setembro. Espero poder cumprimentá-lo e falar um pouco com ele como pastor.

Que sinais de renovação espiritual o senhor vê na Igreja? Vê algum? Há sinais de vida nova, fresca?

É muito difícil ver uma renovação espiritual usando esquemas muito antiquados. Precisamos de renovar a nossa maneira de ver a realidade, de avaliá-la. Na Igreja europeia vejo mais renovação nas coisas espontâneas que estão a surgir: movimentos, grupos, novos bispos que lembram que há um Concílio por trás deles. Porque o Concílio que alguns pastores lembram melhor é o de Trento. E o que eu estou a dizer não é bobagem.

O “restauracisonismo” chegou para amordaçar o Concílio. O número de grupos "restauradores" - por exemplo, existem muitos nos Estados Unidos - é impressionante. Um bispo argentino disse-me que lhe tinha sido pedido para administrar uma diocese que caíu nas mãos desses "restauradores". Eles nunca tinham aceitado o Concílio. Há ideias, comportamentos que nascem de um “restauracionismo” que basicamente não aceitou o Concílio. O problema é precisamente este: que em alguns contextos o Concílio ainda não foi aceite. Também é verdade que leva um século para que um Concílio crie raízes. Então ainda temos quarenta anos para criar raízes!

Sinais de renovação são também os grupos que dão um novo rosto à Igreja através do cuidado social ou pastoral. Os franceses são muito criativos neste aspeto.

Vocês ainda não tinha nascido, mas testemunhei em 1974 o calvário do Superior Geral padre Pedro Arrupe na Congregação Geral XXXII. Naquele tempo houve uma reação conservadora para bloquear a voz profética de Arrupe! Hoje para nós esse Geral é um santo, mas ele teve que sofrer muitos ataques. Ele foi corajoso porque se atreveu a dar o passo. Arrupe era um homem de grande obediência ao Papa. Uma grande obediência. E Paulo VI entendeu isso. O melhor discurso já escrito por um Papa à Companhia de Jesus é o que Paulo VI fez em 3 de dezembro de 1974. E ele escreveu-o à mão. Aí estão os originais. O profeta Paulo VI tinha a liberdade de escrevê-lo. Por outro lado, pessoas ligadas à Cúria de alguma forma alimentaram um grupo de jesuítas espanhóis que se consideravam os verdadeiros 'ortodoxos' e se opunham a Arrupe. Paulo VI nunca entrou neste jogo. Arrupe tinha a capacidade de ver a vontade de Deus, combinada com uma simplicidade infantil na adesão ao Papa. Lembro-me que um dia, enquanto tomávamos café num pequeno grupo, ele passou e disse: "Vamos, vamos! O Papa está prestes a passar, vamos cumprimentá-lo". Ele era como um jovem! Com esse amor espontâneo!

Um jesuíta da Província de Loyola tinha sido particularmente agressivo contra o padre Arrupe, lembremo-nos. Ele foi enviado a ir a vários lugares e até mesmo à Argentina, e criou sempre problemas. Uma vez ele disse-me: "Você é alguém que não entende nada. Mas os verdadeiros culpados são o padre. Arrupe e o padre Calvez. O dia mais feliz de minha vida será quando os vir pendurados na forca na Praça de S. Pedro". Porque vos estou a contafvos esta história? Para fazer-vos entender como foi o período pós-conciliar. E isto está a acontecer novamente, especialmente com os tradicionalistas. É por isso que é importante salvar estas figuras que defenderam o Concílio e a lealdade ao Papa. Devemos voltar a Arrupe: ele é uma luz daquele tempo que nos ilumina a todos. E foi ele quem redescobriu os Exercícios Espirituais como fonte, para libertar-vos das formulações rígidas dos Institutos Epitome, expressão de um pensamento fechado, rígido, mais instrutivo-acético do que místico.

Na Alemanha, temos um caminho sinodal que alguns pensam ser herético, mas que na verdade está muito próximo da vida real. Muitos deixam a Igreja porque não confiam mais nela. Um caso particular é a Arquidiocese de Colónia. O que o senhor pensa sobre isto?

Ao presidente da Conferência Episcopal alemã, dom Bätzing, eu disse: "há uma Igreja Evangélica muito boa na Alemanha. Não precisamos de duas”. O problema surge quando o caminho sinodal provém das elites intelectuais, teológicas, e é muito influenciado por pressões externas. Há algumas dioceses onde o caminho sinodal está a ser feito com os fiéis, com o povo, lentamente.

Eu quis escrever uma carta sobre o seu caminho sinodal. Eu mesmo o escrevi, e levei um mês para escrevê-la. Eu não queria envolver a Cúria. Eu fi-lo sozinho. O original está em espanhol, e em alemão é uma tradução. Ali escrevi o que penso.

Seguidamente, a questão da Arquidiocese de Colónia. Quando a situação era muito turbulenta, pedi ao arcebispo para sair por seis meses para que as coisas se acalmassem e eu pudesse ver claramente. Porque quando as águas estão agitadas, não se pode ver claramente. Quando ele voltou, pedi-lhe que escrevesse uma carta de renúncia. Ele o fez e deu-ma. E ele escreveu uma carta de desculpas à arquidiocese. Eu o deixei no seu lugar para ver o que aconteceria, mas tenho em mãos o seu pedido de renúncia.

O que está a acontecer é que existem muitos grupos de pressão, e sob pressão não é possível discernir. Depois há um problema económico para o qual estou a pensar enviar uma visita financeira. Estou a esperar até que não haja pressão para discernir. O facto de haver pontos de vista diferentes é bom. O problema é quando há pressão. Isto não ajuda. Não creio que Colónia seja a única arquidiocese do mundo onde há conflitos. E eu trato-a como qualquer outra diocese do mundo que experimenta conflitos. Vem-me à mente uma, que ainda não terminou o conflito: Arecibo em Porto Rico. Já faz anos. Há muitas dioceses assim.

Santo Padre, somos uma revista digital e também falamos aos jovens que estão à margem da Igreja. Os jovens querem opiniões e informações rápidas e imediatas. Como podemos introduzi-los no processo de discernimento?

Não devemos ficar parados. Quando se trabalha com os jovens, devemos dar sempre uma perspetiva em movimento, não estática. Devemos pedir ao Senhor de ter a graça e a sabedoria de nos ajudar a dar os passos corretos. Na minha época, o trabalho com os jovens consistia em encontros de estudo. Agora já não funciona mais dessa maneira. Devemos levá-los adiante com ideais concretos, obras, caminhos. Os jovens encontram a sua razão de ser ao longo do caminho, nunca estaticamente. Alguns podem estar hesitantes porque veem jovens sem fé, dizem que não estão na graça de Deus. Mas deixem que Deus cuide deles! a sua tarefa é colocá-los no caminho. Acho que é a melhor coisa que podemos fazer.

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